16/03/2015. Enviado por Equipe MeuAdvogado em Consumidor
O presente artigo consiste em levantar o fato corriqueiro sofrido por diversos consumidores quanto ao atraso exorbitante, de ter que aguardar vários meses, após um sinistro, para ter o seu veículo entregue
As justificativas para a demora, em geral, são a indisponibilidade de peças originais para a reposição no mercado, de responsabilidade do fabricante e a morosidade na execução dos serviços realizados pela concessionária. A espera por tempo superior ao presumível caracteriza um vício do produto ou serviço, atraindo a norma do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), quanto à obrigação da imediata entrega das peças necessárias ao conserto do veículo.
Determina o artigo 32 do Código de Defesa do Consumidor que os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto. Trata-se de uma responsabilidade imposta que visa consolidar o princípio da boa-fé objetiva, com o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
Em razão da norma imposta, tanto a reposição de peças como o conserto de veículo em oficina da concessionária deve ser exercido dentro de um prazo razoável, sendo que o descumprimento desta obrigação configura ato ilícito e deve ser duramente reprimido, pois, a demora exagerada confere um inconveniente gravame ao consumidor que, pelas falhas na prestação do serviço defeituoso, fica privado do seu veículo.
Ocorrida a situação, o consumidor deverá buscar, judicialmente, o reconhecimento do seu direito em relação ao cumprimento da obrigação de fazer, podendo requerer, em sede de tutela antecipada, que o fabricante forneça a peça faltante e que a concessionária concretize o conserto do veículo automotor em tempo considerado razoável. Imperioso demonstrar a verossimilhança das alegações e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, como é autorizado pelo Código de Processo Civil, artigo 273, c/c com o artigo 461, in verbis:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
O artigo 461, por sua vez, tratando do cumprimento de obrigação de fazer, assim prescreve:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
O trecho destacado do diploma processual cuida precisamente do arbitramento de multa pecuniária diária para o descumprimento de obrigação de fazer, que se amolda perfeitamente ao caso de fornecimento das peças faltantes, conforme autoriza o artigo 287 do Código de Processo Civil:
Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4º, e 461-A). (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 2002)
Afora, a situação ainda poderá demandar indenização por dano material e por dano moral, uma vez que a legislação consumerista delineia, em seu artigo 14, que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, e, no mesmo artigo, inciso II, § 3º, abduz a obrigação do fornecedor de indenizar tão somente se provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Nesse entendimento, o dano moral ou extrapatrimonial poderá ser reconhecido pela justiça, não em razão do vício do produto ou serviço, mas pelo descaso do fornecedor em solucionar com eficiência o problema, levando em consideração, dentre outros fatores: a omissão de informações concisas pela seguradora ou concessionária; o tempo decorrido desde a data da previsão para entrega do veículo e, o quanto foi afetada a comodidade do consumidor que se viu despojado de suas atividades habituais durante o longo tempo que ficou sem o veículo.
Nesse teor, ilustra-se com a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:
DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DEMORA NO CONSERTO DE VEÍCULO. ALEGAÇÃO DE FALTA DE PEÇA NA FÁBRICA. AFASTADA. MÁ PRESTAÇÂO DE SERVIÇOS. CONFIGURADA. TRANSTORNOS CARACTERIZADOS. DANOS MORAIS. VALOR. RAZOABILIDADE DA FIXAÇÃO. DANOS MATERIAIS. COMPROVADOS.
1. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do fornecedor de serviços independente da aferição de culpa, devendo responder pelos danos causados ao consumidor em razão da má prestação dos serviços. Vale dizer que o inciso II, do § 3º, do art. 14, excepciona que a obrigação de indenizar somente será afastada se houver prova da ocorrência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
2. A alegação de que a demora no conserto das avarias decorreu de culpa exclusiva da fábrica não se mostra capaz de elidir a responsabilidade civil do fornecedor de serviços, ante os riscos inerentes à atividade que desempenha.
3. Evidenciada que a situação experimentada pela consumidora, em razão da demora demasiada e injustificada no reparo do seu automóvel, decorreu da má prestação do serviço, deve o fornecedor reparar os danos advindos de sua desídia.
4. São suscetíveis de reparação por dano moral os aborrecimentos e incertezas experimentados pela consumidora, que vão além de simples desgastes emocionais, passando a afetar o seu bem estar e conforto.
5. Mantém-se o valor fixado a título de danos morais quando atende adequadamente à função pedagógica da condenação, bem como não configura o enriquecimento sem causa da consumidora. Destaquei.
6. É cabível indenização por danos materiais, quando estes são devidamente comprovados.
7. Recurso conhecido e desprovido.
(Acórdão n.597054, 20110310104562APC, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 20/06/2012, Publicado no DJE: 02/07/2012. Pág.: 100).”
Com efeito, à luz do princípio da proteção da confiança do consumidor, que informa o trato dos vícios no Código de Defesa do Consumidor, para o reconhecimento do dano moral basta demonstrar o experimento negativo que afeta o íntimo da pessoa lesada, causando dor, sentimento de revolta e impotência diante do descaso dos fornecedores e das concessionárias em atender as legítimas expectativas criadas no mercado de consumo. Nesse aspecto a indenização por danos morais (finalidade compensativa), serve para impor um freio às arbitrariedades cometidas (finalidades educativa e punitiva).
O dano material ou patrimonial é previsto em norma constitucional e norma infraconstitucional, deve ser certo e efetivamente comprovado, no caso, decorrer dos prejuízos sofridos pela falta de utilização do automóvel em extenso período de tempo.