02/03/2018. Enviado por Dra. Ana Carolina Borges em Direito Civil
Por decisão unanime, a Suprema Corte decidiu pela procedência total dos pedidos, sendo assim, não mais haverá necessidade da intervenção do Poder Judiciário.
Na data de hoje 01.03.2018 foi julgada a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) proposta pela PGR (Procuradoria Geral Regional) que teve como objeto a questão da retificação de prenome e sexo de pessoas transgêneras nos registros civis independente de cirurgias e com base nos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Não Discriminação, Igualdade e Isonomia, devendo nesse sentido o artigo 58 da Lei 6.015/73 ser interpretado de acordo com a Constituição Federal cujo pedido feito pela Procuradoria também englobou não só a desnecessidade de cirurgia, mas também a desnecessidade de apresentação de laudos, de hormonioterapia e também o pedido comportava a questão de não mais haver necessidade de intervenção Judicial para essa retificação.
Por decisão unanime, a Suprema Corte decidiu pela procedência total dos pedidos, sendo assim, não mais haverá necessidade da intervenção do Poder Judiciário, tampouco da apresentação de laudos patologizantes, de comprovação de hormonioterapia, podendo, qualquer pessoa que se reconheça como transgênera dirigir-se ao Cartório e solicitar por escrito a retificação de seu prenome e sexo nos documentos. Entretanto, tal decisão provavelmente dependerá de regulamentação de como os Cartórios de Registros Civis deverão proceder com essa retificação que, para tanto, deverá, como de praxe o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) cumprir com essa tarefa e então regulamentar o procedimento a ser adotado pelos Cartórios.
Todavia, por tratar-se de algo complexo (que exige cuidado), posto que qualquer alteração feita quanto ao nome ou sexo (estado da pessoa) possuem reflexos diretos na sociedade, isto é, nas relações diretas ou indiretas, razão pela qual, os Cartórios não poderão simplesmente exigir a identificação da pessoa transgênera pura e simplesmente, mas sim, por segurança, solicitar documentos, tais como os juntados nos processos judiciais, como, certidões de distribuição cível, criminal (Estadual e Federa), certidão trabalhista, da justiça militar, dos cartórios eleitorais, da Justiça Militar (quando se tratar de retificação de masculino para feminino), certidões dos cartórios de protestos, antecedentes criminais Estaduais e Federal, entre outros, cuja finalidade é, novamente, resguardar os direitos de terceiros com os quais nos relacionamos direta ou indiretamente, a fim de deixar comprovado que esta pessoa não possui a intenção de fraudar a lei, pois não podemos ignorar a existência de pessoas que agem de má-fé com o intuito unicamente de fraudar a lei. É claro que não é a situação das pessoas transgêneras que apenas e simplesmente querem seus direitos garantidos enquanto pessoas adequando a sua identidade de gênero à sua realidade física e psíquica.
Lembrando ainda que algumas pessoas possuem restrições em seu nome (Serasa) ou possuem antecedentes criminais, situações estas que deverão ser analisadas com muita cautela e rigor pelos Cartorários.
Fora outras questões, como, por exemplo, no caso de uma pessoa estar casada civilmente com outra pessoa, ou no caso de uma pessoa ter bens imóveis em seu nome, bem como questões relativas a Planos de Saúde, Instituição Bancária, Reservista (recebimento para homens trans ou baixa para as mulheres trans), Certificados de Ensino (graduação, pós graduação, cursos técnicos, etc) e etc., que hoje, com uma sentença em mãos a pessoa simplesmente leva ao Cartório, retifica o nome e o sexo e de posse da certidão nova e da Sentença passa a alterar todos os seus documentos pessoais. Então, deverá haver regulamentação para todas estas questões, o que levará ainda algum tempo, haja vista que a decisão será estendida para todas as pessoas que desejarem alterar seu nome no registro civil. Então, muita cautela para evitar fraudes.
Essa foi uma decisão que devemos comemorar muito pois trata-se de um avanço histórico que reconhece a existência de pessoas transgêneras e mais, que reconhece de forma ampla que estas são sobretudo iguais a todas as demais em direitos, deveres e obrigações. Desejamos muito que esta decisão saísse logo e dessa forma, porém, tenham a consciência de que não será algo tão simples assim.
Como bem pontuou a Ministra Carmem Lucia, esta decisão “marca mais um passo na caminhada pela efetivação material do princípio da igualdade, no sentido da não discriminação e do não preconceito”. Ela baseou seu voto no direito à honra, à imagem, à vida privada, nos princípios constitucionais da igualdade material, da liberdade, da dignidade e no direito de ser diferente, entre outros. “Cada ser humano é único, mas os padrões se impõem”, afirmou. “O Estado há que registrar o que a pessoa é, e não o que acha que cada um de nós deveria ser, segundo a sua conveniência”.
Não temos ainda muita informação de como será esse procedimento via administrativa, mas veio para simplificar. O que posso informar é que não haverá, a princípio, necessidade de advogado para a retificação, bastando a pessoa ir ao cartório e por simples pedido escrito solicitar a retificação e em caso de impugnação por parte do Cartório caberá recursos.
Não saiam correndo amanhã para retificar o nome e o sexo no Cartório, pois não vai dar certo. Aguardem!!!! Esperem até que nós advogados(as) tenhamos informações de como deverão proceder.
Quanto as pessoas que já estão com processos judiciais em andamento, assim como sugeri aos meus clientes, basta anexar a decisão de hoje do STF e pedir o julgamento imediato do processo. Não há necessidade de pedir a suspensão do processo ou extinção, pois no Cartório irão solicitar todos estes documentos que vocês já juntaram no processo judicial.
Quanto àqueles que ainda não deram entrada no processo judicial a orientação é que aguardem até que haja regulamentação ou em caso de urgência, vale tentar a via judicial.
Texto escrito por Ana Carolina Borges Advogada; Pós Graduanda em Direito Processual Civil pelo Damásio; Presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/Bauru; Membro Integrante da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/SP; Membro Integrante do IBDFAM (Instituto Brasileiro do Direito de Família); Presidente do Núcleo do IBDFAM Bauru.
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