21/11/2016. Enviado por Dr. Joao Fabio de Medeiros Costa em Consumidor
É absolutamente ilegal o descredenciamento – sem comunicação prévia e individualizada aos clientes e sem a substituição – daqueles que faziam parte do corpo clínico ao tempo de sua contratação.
O artigo aborda a questão do descredenciamento de profissionais, principalmente dos médicos, pelos planos de saúde sem a necessária notificação (aviso) individualizada dos usuários e sem a substituição por profissional com o mesmo nível de especialização.
É comum, quando da contratação de algum Plano de Saúde, a apresentação de um “livreto” contendo a relação dos médicos e demais profissionais credenciados com a respectiva Operadora. E também é comum, pouco tempo após a contratação, ocorrer um processo de descredenciamento daqueles profissionais mais especializados, os quais, invariavelmente, não são substituídos, deixando o usuário sem a necessária cobertura em plena vigência do tratamento.
Felizmente, essa famigerada prática recebeu a devida atenção pela Lei n. 9.656/98 (Regulamentadora dos Planos de Seguros Privados de Assistência à Saúde), além do necessário apoio por parte dos Tribunais.
Não afirmamos que as Operadoras de Planos de Saúde não podem descredenciar determinado médico, clínica ou hospital. Disso não há dúvidas. Contudo, o artigo 17, da Lei n. 9.656/98 impõe parâmetros e limites para isso, principalmente a prévia e individualizada comunicação ao Segurado e à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), além da substituição por outro profissional e/ou estabelecimento com o mesmo nível de especialização. Vejamos o artigo mencionado:
“Art. 17. A inclusão como contratados, referenciados ou credenciados dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, de qualquer entidade hospitalar, implica compromisso para com os consumidores quanto à sua manutenção ao longo da vigência dos contratos."
Segundo a jurista Cláudia Lima Marques:
“Os prestadores que integram a rede credenciada são parte essencial do objeto deste contrato de duração continuada. Tanto é assim que um dos grandes atrativos oferecidos pelas empresas em seus anúncios publicitários são os hospitais e laboratórios de alto padrão de qualidade a elas credenciados. As inúmeras reclamações recebidas pelo IDEC dão conta que, depois de firmado o contrato, quando da utilização do serviço prestado por algum fornecedor credenciado, o consumidor é surpreendido com a notícia de que aquele prestador fora excluído da rede. Em alguns casos, mesmo durante o curso do tratamento, o consumidor é impedido de ser atendido, sob o argumento de que houve descredenciamento do fornecedor. Perante a ordem jurídica vigente, esta prática comercial é condenável. Se a empresa promete, no ato da contratação, uma lista de determinados hospitais, médicos e laboratórios e, sem motivo justo e prévia negociação com os consumidores, descredencia os referidos prestadores, viola os termos do contrato e o Código de Defesa do Consumidor, que estabelece serem vedadas as alterações unilaterais, a publicidade enganosa, bem como quando dispõe que a oferta vincula o fornecedor.” (Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde, Biblioteca de Direito do Consumidor – vol. 13 – Ed. RT, pp. 109/110).
Nessa mesma linha de raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui jurisprudência no sentido de que é abusivo o descredenciamento de profissional sem que o usuário do plano tenha sido individualmente notificado:
“CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. REDE CONVENIADA. ALTERAÇÃO. DEVER DE INFORMAÇÃO ADEQUADA. COMUNICAÇÃO INDIVIDUAL DE CADA ASSOCIADO. NECESSIDADE. 1. Os arts. 6º, III, e 46 do CDC instituem o dever de informação e consagram o princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, na medida em que a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução. 2. O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando do art. 6º, III, do CDC, somente estará sendo efetivamente cumprido quando a informação for prestada ao consumidor de forma adequada, assim entendida como aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor. 3. A rede conveniada constitui informação primordial na relação do associado frente à operadora do plano de saúde, mostrando-se determinante na decisão quanto à contratação e futura manutenção do vínculo contratual. 4. Tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais. 5. Recurso especial provido.” (STJ, 3ª TURMA, RESP N. 1.144.840-SP, REL. MIN. NANCY ANDRIGHI, J. 20.03.2012).
Além da necessidade de notificação individualizada, o STJ também tem julgados entendendo que deverá haver a substituição do descredenciado por profissional com o mesmo nível de especialização, “ipsis litteris” (nas mesmas palavras):
“(...) 1. O caput do art. 17 da lei 9.656/98 garante aos consumidores de planos de saúde a manutenção da rede de profissionais, hospitais e laboratórios credenciados ou referenciados pela operadora ao longo da vigência dos contratos. 2. Nas hipóteses de descredenciamento de clínica, hospital ou profissional anteriormente autorizados, as operadoras de plano de saúde são obrigadas a manter uma rede de estabelecimentos conveniados compatível com os serviços contratados e apta a oferecer tratamento equivalente àquele encontrado no estabelecimento de saúde que foi descredenciado. Art. 17, § 1º, da lei 9.656/98. 3. O descredenciamento de estabelecimento de saúde efetuado sem a observância dos requisitos legalmente previstos configura prática abusiva e atenta contra o princípio da boa-fé objetiva que deve guiar a elaboração e a execução de todos os contratos. O consumidor não é obrigado a tolerar a diminuição da qualidade dos serviços contratados e não deve ver frustrada sua legítima expectativa de poder contar, em caso de necessidade, com os serviços colocados à sua disposição no momento da celebração do contrato de assistência médica. 4. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.” (STJ, 3ª TURMA, RESP N. 1119044/SP (2009/0110292-5), REL. MIN. NANCY ANDRIGHI, J. 22.02.2011).
Para se ter uma ideia da gravidade deste tema, em uma cidade do interior de Goiás, determinada Operadora, que inicialmente contava em seus quadros com um total de 8 (oito) Urologistas, descredenciou 7 (sete) deles,
permanecendo com apenas 1 (um) profissional nessa especialidade. Em resumo, um único profissional ficou responsável por aproximadamente 15.000 (quinze) mil usuários. Imagine-se a catástrofe que ficou o atendimento: filas gigantescas, espera de meses para uma simples consulta, cirurgias remarcadas, entre outras lamentáveis situações.
Desta forma, se mostra absolutamente ilegal o descredenciamento – sem comunicação prévia e individualizada aos clientes e sem a necessária substituição por profissionais com o mesmo nível de especialização – daqueles que faziam parte do corpo clínico ao tempo da assinatura do contrato.
Até porquê, na ponderação entre direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, a Saúde e a Dignidade da Pessoa Humana prevalecem sobre o direito à livre iniciativa da empresa administradora de planos de saúde.
Para você entender melhor:
Jurisprudência: conjunto das decisões e interpretações das leis feitas pelos tribunais superiores, adaptando as normas às situações de fato.
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