Desde a data de 27/04/2016 a imprensa de modo geral vem noticiando o ”acordo” feito entre as entidades que representam as construtoras e incorporadoras, a OAB-RJ, o Tribunal de Justiça do RJ, entre outras, para procurar regulamentar a questão dos distratos de contratos imobiliários que cresceram vertiginosamente devido à crise econômica que atravessa o país.
Entre outras vemos as seguintes cláusulas do “acordo”:
O comprador pagará uma multa de 10% do valor do imóvel até o limite de 90% do valor pago;
O comprador perderá o valor do sinal e mais 20% sobre o que foi desembolsado.
Pergunto – Aonde está a vantagem para o consumidor?
A simulação feita em um desses artigos, do jornal O GLOBO (
clique aqui) é a seguinte:
“Numa simulação em que o consumidor deu um sinal de R$5 mil e desembolsou 05 parcelas de mil reais, o reembolso seria de R$4 mil.“
Ora, o STJ tem determinado devoluções de 75 a 80 por cento dos valores desembolsados pelo comprados, ao passo que na simulação acima tal patamar está em 40%, e em muitos casos será menor.
O tal ”acordo” só existe para beneficiar as construtoras e incorporadoras, que, realmente atravessam um momento financeiro delicado, mas que lucraram bilhões quando o mercado de imobiliário estava aquecido.
Continuando, e reproduzindo o texto do artigo, temos:
“Entre os benefícios para os consumidores, o acordo cria ainda uma espécie de compensação em dinheiro, no caso de atraso na obra – que pela lei pode chegar a 180 dias”.
Lei? Que lei? Por favor me corrijam os leitores e colegas se eu estiver errado, mas eu desconheço tal “lei”.
O que eu entendo por esta cláusula de 180 dias é que ela é abusiva e ilegal, pois viola frontalmente os artigos 39, XIII e 51 , IV do Código de Defesa do Consumidor, abaixo reproduzidos:
Seção IV
Das práticas abusivas
[A Lei n.º 8.884, de 11/06/1994, deu ao artigo 39 a seguinte redação:]
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas:
....................................................
XIII — deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.
Seção II
Das cláusulas abusivas
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
.......................................................
IV — estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
Tal “acordo”, se é que podemos chamá-lo assim, viola o princípio da equidade nas contratações.
Imaginemos agora a situação contrária, o consumidor comunica à construtora ou incorporadora que deixará de pagar durante 180 dias e nenhuma sanção será imposta a ele. Será que essa proposta seria aceita?
Tal cláusula, que o artigo cita com lei é tão abusiva que o Ministério Público de SP, através da Promotoria do Consumidor ajuizou duas Ações Civis Pública (ACP) contra empresas de construção e incorporação imobiliária para que elas deixem de fixar prazos que desfavorecem os consumidores e sejam punidas por atrasarem a entrega dos imóveis” – Na sua exordial o Promotor Paulo Sérgio Cornacchioni sustenta o seguinte:
“É que a data que em contrato a ré estabelece à guisa de “prazo” não é a data até a qual sua obrigação de entrega deve ser cumprida e a partir da qual se caracteriza a sua mora. Assim, porque a ré prevê uma tolerância de 180 dias para atraso na entrega, período durante o qual o contrato dispões não haver qualquer consequência resultante da entrega além da data “aprazada”...............Essa tolerância, aliás, não é estabelecida também em favor do consumidor........Constitui uma desfiguração da data prevista para a entrega como como um efetivo prazo para a entrega”
Continuando.... ”Ocupa a ré (construtora) de tal sorte, posição privilegiada em seu negócio como fornecedora de consumo, pois para sua obrigação principal, entrega do imóvel, não há prazo efetivo.; e mesmo considerada a entrega para além da tolerância contratual, não há fixação de multa moratória. O que temos em síntese é um contrato de consumo que privilegia o fornecedor, em detrimento do consumidor, que é justamente a parte vulnerável da da relação jurídica (CDC , Art. 4.º, I) colocado assim em desvantagem exagerada.”(1)
Concluindo, para não me estender demais e correr o risco me tornar enfadonho, pois o tema poderia, e com certeza renderá muitos debates jurídicos, tal ”acordo”, além de beneficiar unicamente as construtoras, viola a Súmula 543 do STJ:
Súmula 543: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
Pensemos, as construtoras lucraram bilhões com o boom do mercado imobiliário nos últimos anos e, agora em crise, querem repassar o seu prejuízo aos compradores devolvendo a eles uma parcela ínfima do que foi pago e, ainda ficando com o imóvel pronto para ser vendido novamente assim que a crise passar, e todas as crises passam!
Lamentável apenas ver entidades que deveriam, pelo menos em tese, defender os direitos dos consumidores, advogando em prol dos grandes grupos econômicos sob o pretexto de quebra do setor.
Última pergunta – Aonde fica o livre mercado??????
Líbero Coelho de Andrade Filho é advogado especializado em Direito do Consumidor e Imobiliário no RJ.
(1) [Direito Imobiliário, Teoria e Prática, Luiz Antônio Scavone Junior, 9.ªEd., 2015, pg. 211 e 212]