Agrotóxicos: um vilão silencioso

26/06/2015. Enviado por

É urgente que o Estado e a sociedade reúnam forças para (...) o direito humano à alimentação adequada previsto nos artigos 6º e 227 da Constituição da República Federativa do Brasil.

Em uma loja de produtos agropecuários, um carismático atendente prestigia seu cliente com um belo sorriso, vocábulos de boas-vindas e algumas ensaiadas perguntas, sempre atento à aprovação do gerente. Estendendo um dos braços recebe do agricultor uma receita agronômica prescrevendo certo produto como solução técnica para sua safra. Entre todas as recomendações do agrônomo interessou-lhe apenas o nome comercial do produto e porcentagem de lucro com a venda. Com o produto em mãos, doutro lado do balcão, um cliente ajusta o foco dos óculos movimentando-os para trás e para frente olhando o rótulo na embalagem onde enxerga somente a marca comercial do produto que está em destaque. Mas… ler sobre a classificação toxicológica do produto, precauções de uso, advertências quanto aos cuidados com manipulação, quantidade correta de aplicação, proteção ao meio ambiente e perigos à saúde humana nem sempre é animador, pois, o grau das lentes não é apropriado para diminutas letras e, consumiria tempo. Tempo, é dinheiro. Maior preocupação gira em torno da observância sobre quantidade e concentração durante a aplicação do produto que muitas vezes não levam em conta os efeitos na saúde da população consumidora de agrotóxicos. Torna-se um perigoso experimento de negativos resultados de médio e longo prazo na saúde pública, infelizmente, ainda hoje, é uma realidade prática e comum no país, incluindo o Estado de Goiás.

Tais circunstâncias são facilitadas pela precária estrutura do estado para inspeção, fiscalização e assistência educativa aliada ao uso indiscriminado de agrotóxicos contrabandeados ou pirateados, sem devida licença para comercialização colocando em risco a segurança alimentar do consumidor, que receberá nos alimentos substâncias em quantidades acima do permitido por lei ou mesmo proibidas no Brasil. Este é um vilão silencioso e invisível para o consumidor goiano que suportará efeitos adversos como infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer. Vale ressaltar que os agrotóxicos estão presentes não só em produtos in natura, como também industrializados e processados. Este tem sido assunto de crescente preocupação entre poder público e sociedade goiana já que seus efeitos na saúde humana são hoje cientificamente conhecidos e responsáveis pelo crescente índice de câncer no estado. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) indicam que o consumo de agrotóxicos cresceu 190% no Brasil, entre 2000 e 2010 enquanto o crescimento mundial no mesmo período foi de 93%. O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, movimentando 7,3 bilhões de dólares e 19% do mercado mundial, deixando os EUA em segundo lugar, com 17% do mercado global.

Em março de 2015, a Agência Internacional de Pesquisa de Câncer (Iarc), após avaliação da carcinogenicidade de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos por uma equipe de pesquisadores de 11 países, incluindo o Brasil, classificou o herbicida glifosato e os inseticidas malationa, diazinona, tetraclorvifóis e parationa como prováveis agentes carcinogênicos para humanos. Em 16 de abril de 2009, o Estado de Goiás realizou o 4º Seminário Regional sobre Agrotóxicos, evento importante que reuniu pesquisadores, produtores e fiscais, destinado a todos os órgãos envolvidos na regulamentação e fiscalização da produção, comercialização, transporte e utilização de agrotóxicos em seu território. Portanto, é urgente que o estado e sociedade reúnam forças para priorizar a conscientização dos produtores rurais, buscar alternativas viáveis ao uso de agrotóxicos, intensificar o combate ao comércio ilegal, uso indevido e excessivo dessas susbstâncias, assegurando o direito humano à alimentação adequada previsto nos artigos 6° e 227 da constituição da República Federativa do Brasil de 1988, executada pela política nacional de segurança alimentar e nutricional (Decreto n° 7.272/10).

(Raflésia Pereira, advogada, especialista em direito ambiental e imobiliário, componente do Machado & Pereira Advogados Associados S/S)

Assuntos: Agrotóxicos, Direito Ambiental, Direito Civil

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