28/10/2016. Enviado por Dr. Paulo Sérgio Pereira da Silva em Moradia
Basta uma pessoa da família do devedor residir no imóvel para impedir sua penhora, mas para pagamento de determinadas dívidas existe exceção.
Em decorrência de tantas dúvidas sobre o bem de família e a regra de sua impenhorabilidade, elaboramos estes apontamentos com o objetivo de esclarecer dúvidas.
Bem de família. Necessidade de prova de residência.
O bem de família é o único imóvel do devedor, por ele utilizado como sua moradia, e que está – em regra – a salvo de penhora por qualquer tipo de dívida, conforme dispõe o artigo 1º, da Lei 8.009/90. Isto quer dizer que, por mais dívidas que o indivíduo faça, se não houver outro patrimônio para que seja penhorado pela justiça, a sua casa estará a salvo.
Terá o devedor o direito de permanecer com a propriedade e posse de seu único imóvel para que nele continue a morar, desde que prove no processo em que se pretende penhorá-lo que esse imóvel é realmente utilizado como residência, como com declaração de imposto de renda, correspondências enviadas para o local e até por meio de testemunhas. Provado que o imóvel é residência do devedor, o credor deverá se valer de outros bens, se encontrá-los, para a tentativa de penhora.
Entidade familiar abrange apenas pessoa casada?
Note-se que não é necessário que o devedor seja casado para que seja entendido que pertence a uma “família”. A proteção contra a penhora do único imóvel residencial abrange aquele que é de propriedade do devedor solteiro, divorciado ou viúvo, conforme o Enunciado 364 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não importa, portanto, o estado civil do devedor.
A entidade familiar abrange filho casado?
E quando o devedor desocupa o imóvel e o cede para uso exclusivo de seu filho, já casado e que constituiu outra família? Seria possível esse imóvel ser penhorado, já que o devedor ali não mais reside, mas sim o seu filho, que faz parte de outra entidade familiar?
O artigo 226, da Constituição Federal, em seu parágrafo 4º, dispõe que “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.” Afinal, o filho casado do devedor continuaria a pertencer à mesma entidade familiar de seu pai (o devedor) ou a outra, já que se casou?
Se a resposta for afirmativa para o primeiro caso, o bem de família continua impenhorável, pois utilizado pelo filho que, embora casado, continua a integrar a entidade familiar do devedor. Se negativa, poderia o bem de família ser penhorado devido ao fato de o filho casado não pertencer à mesma entidade familiar do devedor, por ter se casado e constituído outra entidade familiar, distinta da do devedor.
Quanto a isso, a Corte Superior terminou por concluir que não interessa o estado civil do familiar que passou a morar na residência do devedor. A “outra” instituição familiar do filho casado não desfaz a entidade familiar originária, à qual o filho continua a pertencer. Ainda, que, de acordo com a Lei 8.009/90, fica protegido o único imóvel residencial da penhora. Mesmo que se encontre cedido a familiares, filhos, enteados ou netos. A circunstância de o devedor não residir no imóvel não constitui impedimento ao reconhecimento do favor legal.
Para o STJ, portanto, basta uma pessoa da família do devedor residir no único imóvel residencial para impedir que seja penhorado. É irrelevante o fato de esse outro familiar ser casado ou não; basta que seja ascendente (pais, avós) ou descendente do devedor (filhos, netos), conforme conceito de entidade familiar preservado no art. 226, § 4º, da Constituição Federal.
Bem de família locado a terceiro
Se o imóvel não é residência do devedor e nem de sua família, mas está locado a terceiro, perderia a proteção contra a penhora?
Se for comprovado que o imóvel está alugado e que a respectiva renda da locação é utilizada para a subsistência ou moradia do devedor e de sua família, não poderá ser penhorado, conforme o Enunciado 486 da Súmula do STJ:
"É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família."
Bem de família de elevado valor
Não são raros os apartamentos e casas cujos valores superam a cifra de vários milhões de reais. São imóveis de alto padrão, de extremo luxo. Porém, estes também são tidos como bem de família e, portanto, impenhoráveis, nos termos da Lei nº 8.009/90.
Casos em que o bem de família pode ser penhorado
A exceção da impenhorabilidade do bem de família fica por conta do artigo 3º, da Lei 8.009/90, quando apresenta as seguintes situações:
a) para pagamento do crédito de financiamento de construção ou aquisição do próprio imóvel. São os casos clássicos (mas não exclusivos) de imóveis financiados pela Caixa Econômica Federal (CEF), cuja dívida, se não paga, permite à CEF executar o contrato de financiamento e penhorar o imóvel adquirido pelo devedor;
b) pelo credor de pensão alimentícia, mas resguardado o direito de coproprietário que, com o devedor, seja casado ou com ele conviva em união estável, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
c) para pagamento de impostos que incidem sobre o imóvel, como IPTU, ITU e despesas condominiais. O condômino inadimplente que não paga as taxas de condomínio poderá ter o seu único bem de família penhorado para o pagamento dessa dívida, conforme, inclusive, dispõe o art. 1.715 do Código Civil;
d) para pagamento de dívida resultante de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia da dívida, como nos casos de empréstimos bancários em que o devedor oferece sua própria casa ou apartamento como garantia à instituição financeira. Não paga a dívida, o
banco pode executar o contrato e obter a penhora do bem de família ofertado em garantia hipotecária;
e) para pagamento de dano resultante de crime pelo qual o devedor foi condenado criminalmente por sentença transitada em julgado. São casos de lesões corporais, tentativa de homicídio, estupro. Devido aos efeitos dessa sentença (art. 91, I, do Código Penal, e art. 63 do Código de Processo Penal), a vítima do crime poderá propor contra o condenado a respectiva execução para se ressarcir dos danos causados, cujos valores normalmente são apurados em liquidação de sentença. Nessa execução poderá ser penhorado o único bem imóvel residencial do devedor (o condenado pelo crime praticado contra a vítima);
f) para pagamento de dívida do fiador, que nesta condição se vinculou a contrato de locação de imóvel. Note que o único imóvel residencial do fiador poderá ser penhorado para pagamento das dívidas do locatário, mas a recíproca não é verdadeira. O único imóvel residencial do locatário não poderá ser penhorado pelo fiador em execução por este proposta regressivamente contra o locatário. A exceção que permite a penhora do bem de família do fiador é restritiva e não abrange o bem de família do locatário (art. 3º, VII, da
Lei 8.009/90).
Defesa do cônjuge para proteção de sua parte
Em todos os casos citados acima – em que excepcionalmente é permitida a penhora do bem de família – é resguardado, em contrapartida, o direito da esposa (se o marido quem contraiu a dívida) de se contrapor à penhora, a fim de excluir a porção dos 50% que lhe pertencem, em se tratando de casamento pelo regime da comunhão parcial de bens.
A defesa da esposa contra a penhora dos 50% que lhe pertence poderá ser exercida comprovando que a dívida assumida por seu marido não beneficiou o casal.
Caso a esposa consiga afastar a penhora de sua quota parte, o bem de família será vendido (nos casos em que a penhora é admitida) e do produto dessa alienação é que poderá retirar o valor correspondente à sua metade.
Multiplicidade de imóveis residenciais
Pode ocorrer de o devedor possuir mais de um imóvel como sua residência. Neste caso, se não compareceu em cartório para selecionar qual deles será instituído como bem de família (art. 1.711 do Código Civil), a própria Lei 8.009/90 dispõe que a impenhorabilidade recairá sobre o bem de menor valor (art. 5º, parágrafo único).
Desmembramento do imóvel residencial
Por exemplo, quando o imóvel que se pretende penhorar é um sobrado e o devedor reside na parte superior e cede em locação a parte inferior para o comércio ou mesmo para residência de outra pessoa diversa de sua família. A parte não utilizada como residência do devedor (ou de sua família) é passível de penhora.
Quanto à pequena propriedade rural, deve ser afastada da penhora apenas a sede de moradia (se houver), conforme art. 4º, § 2º, da Lei 8.009/90.
Assim, em caso de possibilidade de fracionamento do imóvel, é permitida a penhora da parte não utilizada como moradia do devedor (ou de sua família), pois escapa do alcance da Lei 8.009/90.
Fraude na Venda do Bem de Família
Em inúmeras situações, o devedor procura se eximir das suas dívidas. Após citado em alguma ação na qual o seu imóvel residencial possa ser penhorado, ele, imediatamente, transfere a terceira pessoa, junto ao cartório de imóveis, isso para burlar o credor.
Esse ato fraudulento, denominado como “fraude à execução” (art. 593 do CPC/73 e 792 do CPC/15) é sempre combatido pelo Judiciário e é tornado ineficaz em relação ao credor. Porém, só se tornará ineficaz para quem adquiriu o imóvel se – anteriormente à alienação do bem – houver sido:
i) anotada no cartório próprio a existência da ação, da hipoteca ou a penhora do imóvel; ou
ii) provada a má-fé da pessoa que adquiriu o bem do devedor (art. 792 do CPC/15 e Enunciado 375 da Súmula do STJ).
Paulo Sérgio Pereira da Silva e Rayff Machado de Freitas Matos
Texto original: Controvérsias sobre o Bem de Família e a Aplicação do Novo CPC
Você também precisa saber: