Do desvio de função, equiparação e enquadramento salarial

21/02/2013. Enviado por

Muitas vezes é difícil distinguir se estamos diante de um caso de pedido de equiparação salarial, ou se está ocorrendo desvio de função, para pleitear a adequação salarial do reclamante. Mas o principal em ambos, é prestigiar a equivalência salarial.

Controversa é a distinção entre a caracterização do desvio de função e da equiparação salarial.

Inicialmente há que se esclarecer que a “equiparação salarial”, consubstanciada no art. 461, caput e § 1º da CLT, trata do tema da equivalência salarial, devido ao exercício de atividade idêntica, com requisitos próprios, como mesma técnica de produtividade, mesmo empregador, mesma localidade, mesmo período, não sendo este superior a 02 (dois) anos. Para tanto, se faz necessária a alusão a outro empregado, que terá a condição de paradigma para a comprovação da identidade pleiteada.

Daí, o § 2º do art. 461 da CLT retirar do crivo da equiparação salarial os casos em que a atividade prestada corresponde a cargo superior, pois neste caso, presente estará a configuração de desvio funcional, e não apenas equiparação, no exercício de função idêntica.

Ou seja, “desvio de função” é a situação pela qual o empregado, com uma posição funcional definida, exerce as atribuições de cargo efetivo superior ao seu. Em tal situação, o empregador é obrigado a pagar as diferenças resultantes. Em ocorrendo tal hipótese, o empregador não pode se esquivar e, portanto, deve readequar o valor remuneratório do empregado ao seu real enquadramento funcional.

Neste sentido temos a jurisprudência:

EMENTA: DESVIO DE FUNÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS INDEVIDAS. O desvio de função é caracterizado quando o trabalhador, apesar de ter sido contratado para exercer determinada função, executa outra diversa, sem o pagamento do salário respectivo. Ou seja, o desvio funcional efetivamente se caracteriza quando o empregador modifica as funções originais do empregado, destinando-lhe novas tarefas, totalmente incompatíveis com o feixe de atribuições atinentes ao cargo originário, que exigem o exercício de atividade qualitativamente superior à do cargo primitivo, atraindo, assim, o direito à maior remuneração, a qual, todavia, não é observada pelo empregador. (...). (0001139-96.2010.5.03.0011 RO - Data de Publicação: 28-04-2011 - Órgão Julgador: Oitava Turma - Tema: DESVIO DE FUNÇÃO - DIFERENÇA SALARIAL - Relator: Márcio Ribeiro do Valle - Revisor: Denise Alves Horta).

E a lição de Arnaldo Sussekind:

"O desvio de função se caracteriza, sobretudo, quando há quadro de pessoal organizado em carreira; mas pode ocorrer mesmo quando não exista o quadro. Não se trata, porém, na hipótese, de equiparação salarial, pois o desvio de função, desde que não seja episódico ou eventual, cria o direito a diferenças salariais, ainda que não haja paradigma no mesmo estabelecimento". (Curso de Direito do Trabalho, Editora Renovar, 2ª Ed.).

Consoante lição acima exposta vislumbra-se que polêmico também se faz o tema, quanto à necessidade de existência do quadro de carreira na empresa reclamada, para que ocorra o desvio de função.

Para a doutrina e jurisprudência mais tradicionais, necessária se faz a presença de tal organização pessoal em quadro de cargos e salários (PCS). Todavia, há entendimento atual e inovador sobre o tema, pelo qual alguns entendem até mesmo, que a ausência desta organização expressa do pessoal da empresa, venha inclusive, a beneficiar o trabalhador que postula o enquadramento salarial, dado seu desvio de função na empresa.

É o que diz a jurisprudência:

EMENTA: ISONOMIA SALARIAL. DESVIO DE FUNÇÃO. PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS E/OU PLANO DE CARREIRA. Não se mostra admissível a contratação de um empregado em determinado cargo, auxiliar de compras, quando, na realidade exercerá as funções de outro - comprador - já existente na empresa. Não importa, no caso concreto, a nomenclatura do cargo e sim a real função por ele exercida. A inexistência do plano de cargo e salários e/ou plano de carreira mostra- se, data venia, como ponto favorável à obreira, já que sua inexistência demonstra também a inexistência de motivos plausíveis para a diferenciação salarial e funcional. Ora, entre os direitos dos trabalhadores insculpidos no art. 7o., XXX, da Lex Legum, está a proibição de diferença de salários e de exercício de funções. Assim, com fulcro naquele dispositivo constitucional, o empregado que exerce as funções inerentes a determinado cargo pré existente na empregadora deve receber o salário definido para este último, não importando a nomenclatura do cargo para o qual foi contratado. (...) (01470-2000-001-03-00-9 RO - Data de Publicação: 17-02-2001 - Órgão Julgador: Quarta Turma - Tema: DESVIO DE FUNÇÃO – REMUNERAÇÃO - Relator: Júlio Bernardo do Carmo).

Por outro lado, há decisões no sentido expresso de que as diferenças salariais devidas, no caso de não existência de quadro de carreira, apenas poderão ser pleiteadas mediante pedido de equiparação salarial:

EMENTA: DIFERENÇAS SALARIAIS - DESVIO DE FUNÇÃO -INVIABILIDADE. Não cabe o deferimento de diferenças salariais, sob alegação de desvio de função, quando a empresa não dispõe de quadro carreira ou pelo menos regulamento interno ou instrumento normativo estabelecendo níveis salariais para funções determinadas. Nessa hipótese, as discriminações salariais são passíveis de correção mediante pedido de equiparação salarial, com indicação de paradigma para aferir os pressupostos insculpidos no art. 461 da CLT. (01450-2008-039-03-00-8 RO - Data de Publicação: 11-03-2009 - Órgão Julgador: Segunda Turma - Tema: DESVIO DE FUNÇÃO - DIFERENÇA SALARIAL - Relator: Sebastião Geraldo de Oliveira - Revisor: Convocado Fernando César da Fonseca).

Assim, confuso se faz o tema, quando de sua aplicação, pois são várias as hipóteses decorrentes desta flexibilização da norma jurídica, pelo que, inclusive, se admite o pedido alternativo, de equiparação salarial, e equivalência salarial, entendida esta como a decorrente do desvio de função.

É da jurisprudência do TRT da 3ª região que se tem esta conclusão:

EMENTA: DESVIO FUNCIONAL - DIFERENÇAS SALARIAIS - O parágrafo 2o. do artigo 461 da CLT elide o direito à equiparação salarial no caso da existência de quadro de pessoal organizado em carreira, mas não impede o reconhecimento de eventual desvio funcional e o deferimento das diferenças salariais daí decorrentes, o que se pode averiguar não só através de quadro de pessoal organizado em carreira mas através de um plano de cargos e salários ou de qualquer outra norma regulamentar da empresa que faça consignar as diferenciações entre cargos e a descrição das atividades de cada um. O intuito é o de não se permitir que um empregado seja enquadrado em determinado cargo, com determinado salário, e exerça, efetivamente, funções próprias de outro cargo, para o qual a empresa estabeleça salário superior. Se resta comprovado que o reclamante, conquanto tenha sido enquadrado em determinado cargo pela empresa, exercia atividades inerentes a outro cargo, para o qual estabeleceu-se salário superior, cumpre reconhecer o direito às diferenças salariais postuladas, decorrentes do desvio funcional que se verificou. Sentença de primeiro grau que se mantém incólume. (01461-2007-136-03-00-6 RO- Data de Publicação: 10-05-2008 - Órgão Julgador: Quarta Turma - Tema: DESVIO DE FUNÇÃO - DIFERENÇA SALARIAL - Relator: Júlio Bernardo do Carmo - Revisor: Antônio Álvares da Silva).

EMENTA: JULGAMENTO EXTRA PETITA. EQUIPARAÇÃO SALARIAL E DESVIO DE FUNÇÃO. O processo do trabalho, pelo caráter alimentar e de ordem pública dos direitos materiais através dele postulados e pela atribuição do jus postulandi às próprias partes, caracteriza-se pela simplicidade e informalidade. Assim, basta que o autor, em sua reclamação escrita, faça uma breve exposição dos fatos de que resulta o dissídio e formule o pedido correspondente (CLT, art. 840, § 1º). Havendo o reclamante narrado, na peça inicial, situação fática que, a um só tempo, configura ofensa ao princípio da isonomia salarial e desvio de função e tendo ele pleiteado o pagamento de diferenças salariais resultantes, não constitui julgamento extra petita a decisão que julgou improcedente a equiparação salarial pretendida mas que, de forma sucessiva (CPC, art. 289), condenou a empregadora ao pagamento dos direitos decorrentes do desvio funcional comprovadamente ocorrido. Ref.: Art. 333, I, CPC Art. 818, CLT. (RO - 7000/95 - Data de Publicação: 12-09-1995 - Órgão Julgador: Terceira Turma - Tema: SENTENÇA - JULGAMENTO EXTRA / ULTRA PETITA - Relator: José Roberto Freire Pimenta - Revisor: Levi Fernandes Pinto).

Pelo que se vê, irrelevante se faz a existência ou não de organização em quadro de carreira para o pedido das diferenças salariais, seja por desvio de função ou via equiparação salarial, bastando que esteja comprovada a situação do reclamante, em laborar em cargo diverso daquele para o qual foi contratado, sendo este dotado de maiores responsabilidades e técnica, pelo que o faz ser devidamente melhor remunerado:

EMENTA: DIFERENÇAS SALARIAIS - DESVIO DE FUNÇÃO. Provado que a Reclamada escalonava seus empregados em cargos ou funções específicas, atribuindo-lhes remuneração diferenciada, considerando apenas o exercício das atribuições a eles relativas, são devidas diferenças salariais, quando demonstrado que o Reclamante não recebia a remuneração compatível com as funções que desempenhava, segundo critério remuneratório instituído pela Empregadora, que obviamente não pode se esquivar de dar cumprimento à regra contratual por ela própria estabelecida para organizar o pessoal a serviço da empresa. (01241-2008-026-03-00-8 RO - Data de Publicação: 23-03-2009 - Órgão Julgador: Quarta Turma - Tema: DESVIO DE FUNÇÃO - DIFERENÇA SALARIAL- Relator: Convocada Adriana Goulart de Sena - Revisor: Júlio Bernardo do Carmo).

Conclui-se que a falta do pagamento das diferenças salariais devidas, ferem o princípio da reciprocidade da prestação e da contraprestação, que devem sempre reger e vigorar no contrato de trabalho, e portanto, sob esta ótica, deve prevalecer, seja por uma vertente ou outra, o prestígio a tais princípios, de modo que a equivalência salarial seja a principal medida a se efetivar, independentemente da forma em que seja concedida.

 

Dra. Fernanda Márcia Ferreira – OAB/MG 130.499

Advogada, bacharel em Direito pela PUC/Minas.

Assuntos: Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), Desvio de função, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direitos trabalhistas, Equiparação salarial, Salário, Trabalho

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