11/04/2019. Enviado por Dra. Rosana Torrano em Família
DO DIREITO DO EXECUTADO EM TER OS ALIMENTOS PAGOS IN NATURA COMPENSADOS, POIS, OS ALIMENTOS PAGOS IN NATURA TÊM CARÁTER EMINENTEMENTE ALIMENTAR E AINDA PELA VEDAÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO - PRINCÍPIO DA BOA FÉ
Para a análise da questão necessário considerá-la sob o conceito amplo de alimentos, artigo 1.694 do CC e ainda sob a ótica da boa fé prevista no artigo 422 do CC, conforme tópicos próprios abaixo:
1-DO CARÁTER ALIMENTAR DOS ALIMENTOS IN NATURA(DE MEDICAMENTOS, INSTRUÇÃO EDUCACIONAL, HABITACIONAL)
Em que pese ser entendimento quase que majoritário de que os alimentos pagos in natura não possam ser compensados com os alimentos pagos em pecúnia, sem o consentimento do exequente, tal regra deve ser observada com moderação, levando em conta cada situação com suas especificidades, pois, os custos de (escola, material escolar, convênio médico e habitação) têm caráter eminentemente alimentar e não permitir tal compensação em eventual execução de alimentos seria permitir o enriquecimento ilícito que é vedado por nosso ordenamento jurídico junto ao artigo 884 do Código Civil: Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Diante da vedação do enriquecimento ilícito o artigo 1.694 do Código Civil deve ser analisado em sua forma plena, ou seja, referido artigo não traz em sua essência que a obrigação alimentar se limita ao pagamento apenas de mantimentos, por exemplo, os alimentos abrangem (cultura, vestimentas, medicamentos, instrução educacional e habitacão, etc..), conforme pode ser observado na lição de Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald, junto a obra Direito das Famílias, 2ª ed, Ed.Lumen Juris, 2010, pg. 668:
“[...] percebe-se, assim, que, juridicamente, a expressão alimentos tem sentido evidentemente amplo, abrangendo mais do que a alimentação. Cuida-se de expressão plurívoca, não unívoca, designando diferentes medidas e possibilidades. De um lado, o vocábulo significa a própria obrigação de sustento de outra pessoa. A outro giro, com a expressão alimentos, designa-se também o próprio conteúdo da obrigação. Ou seja, sob a referida expressão estão envolvidos todo e qualquer outro bem necessário a preservação da dignidade da pessoa humana, como habitação, a saúde, a assistência médica, a educação, a moradia, o vestuário e, é claro, também a cultura e o lazer.[...]”
Assim partindo da ótica acima, se houver pagamento de alimentos in natura feito ao alimentando, mesmo que não conste do título judicial, este em eventual execução de alimentos deve ser compensado, sob pena, de enriquecimento ilícito, não podendo ser considerado apenas como pagamento por mera liberalidade.
Sobre o tema temos decisão recente do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do Ministro Luís Felipe Salomão, no sentido de que é possível a flexibilização da compensação dos alimentos pagos in natura, para que seja vedado o enriquecimento ilícito, in verbis a ementa de referida decisão:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. FIXAÇÃO EM SENTENÇA. DEVER DE PAGAR EM ESPÉCIE. COMPENSAÇÃO. PRESTAÇÃO IN NATURA. ENRIQUECIMENTO INDEVIDO. 1. Esta Corte tem manifestado que a obrigação de o devedor de alimentos cumprir-la em conformidade com o fixado em sentença, sem possibilidade de compensar alimentos arbitrado em espécie com parcelas pagas in natura, pode ser flexibilizada para afastar o enriquecimento indevido de uma das partes. Precedentes. 2. Agravo interno não provido.
(STJ – AgInt no Resp: 1560205 RJ 2015/0252711-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 16/05/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: Dje 22/05/2017)
(g.n)
Ainda sobre o tema temos a decisão no Agravo de Instrumento julgado em 29/05/2018, da lavra do Desembargador Theodureto Camargo da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: AI nº 2104768.16.2018.8.26.0000:
“V. Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão de fls. 15/16, que, nos autos da ação de execução de prestações alimentícias, rejeitou a justificativa apresentada pelo executado, determinou o protesto da dívida alimentar, além de ordenar a prisão civil pelo prazo de um mês. Irresignado, pretende o agravante a concessão de efeito suspensivo e a reforma do r. pronunciamento alegando, em síntese, que foi concedida liminar em habeas corpus impetrado contra a mesma decisão; está desempregado desde outubro de 2015; é responsável pelo pagamento das mensalidades da escola em que matriculada a menor, ultrapassando o valor dos alimentos arbitrados; os valores pagos in natura deverão ser compensados com aqueles em pecúnia, sob pena de enriquecimento ilícito da exequente; haveria excesso de execução; a filha residiria em imóvel de sua propriedade. É a síntese do necessário. 1.- A execução recai sobre prestações alimentícias devidas entre junho e agosto de 2017, além daquelas vencidas no curso da demanda, perfazendo um débito de R$ 5.475,66. Intimado a efetuar o pagamento das pensões em atraso, o agravante apresentou justificativa fundada nas mesmas razões, ora reproduzidas (fls. 64/68 dos autos principais). Acolhendo o parecer ministerial, a MMª Juíza a quo houve por bem decretar a prisão civil do alimentante, pelo prazo de um mês. "Isso porque fixados os alimentos por sentença judicial, cabia ao executado cumprir o que foi lá determinado ou ao menos comprovar que recebeu autorização da representante da menor para cumprir de outro modo. No caso em tela, se o executado ao invés de depositar o valor devido a título de alimentos, resolveu pagar a escola da menor diretamente, sem comprovar que a representante da menor aceitou essa modificação, as despesas escolares serão consideradas mera liberalidade. Nesse sentido: Agravo de Instrumento execução de alimentos - pagamento dos alimentos em desacordo com os termos fixados no título executivo judicial alimentos in natura - Valores que devem ser considerados mera liberalidade Impossibilidade de compensação da verba alimentar Precedentes do Superior Tribunal de Justiça Recurso provido. (TJSP 5ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Moreira Viegas, v.u. j. Em 5/4/2017). Por fim, a alegação de dificuldade financeira não vinga, até porque o executado admitiu que vem pagando a mensalidade da escola da menor, cujo valor não é desprezível". Disso resultaria a justificativa para o pedido de reforma da r. decisão agravada. 2.- O exame dos autos revela a impetração do habeas corpus 2093457-28.2018.8.26.0000 em favor do agravante, tendo sido concedida a liminar por esta Relatoria em 11.05.2018. Naquela oportunidade, verificou-se que o executado, em 09 de maio de 2018, depositou na conta bancária da genitora da menor o valor de R$ 5.475,66, constante do mandado de prisão, expedido em 03 de maio último, relativo à integralidade do débito alimentar cobrado na presente execução (fls. 30). Quanto ao pedido de compensação do valor devido com as mensalidades escolares e matrícula, muito embora a obrigação não tenha constado do título executivo judicial (fls. 32/36), o direito repudia o enriquecimento sem causa. Conforme já tive oportunidade de decidir por ocasião do julgamento do AI 0017612-34.2012.8.26.0000, desta C. 8ª Câmara de Direito Privado deste E. Tribunal de Justiça de São Paulo, "a incompensabilidade vedada pela lei é aquela resultante de dívidas de causas diferentes, por força do disposto no art. 373, II, do CC, que repete a regra do Código Civil anterior. 'Assim, por exemplo, se o devedor paga a escola do filho, em vez de depositar o valor correspondente na conta bancária da mãe do menor, o alegado crédito pela falta de depósito bancário ficará sujeito à compensação, já que a causa do referido pagamento de escola é a mesma da obrigação de alimentos do pai para com sua prole'. "No entanto, eventual presente que o pai ofereça ao filho e que não tem previsão no acordo ou na sentença judicial não poderá ser abatido do quantum devido; 'nesse caso, não haverá compensação, em razão da diversidade de causas' (cf. WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO e REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA. Curso de direito civil direito de família. 40ª Ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, vol. 2, ps. 543/544). "Em outras palavras, pois, admite-se a compensação no propósito de evitar o enriquecimento sem causa: 'Execução de alimentos. Pensão alimentícia destinada a filho maior. Período de inadimplência que coincide com a estadia do alimentando nos EUA, ocasião em que o alimentante efetuou o pagamento das contas efetivas no exterior em cartão de crédito. Possibilidade de dedução do montante devido, sob pena de animar o enriquecimento indevido' (TJSP, 3ª Câm. Dir. Priv., AI 250729-4/0, rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 6.8.2002)." "No caso em exame, há cópias não só de comprovantes de depósitos bancários efetuados pelo executado em conta bancária da genitora da menor no período de maio a dezembro de 2017 (fls. 82/88 dos autos principais), mas também dos boletos de pagamento das mensalidades escolares e da matrícula da filha correspondentes aos meses de junho a novembro de 2017 (fls. 89/95 dos autos principais). "Diante disso, há possibilidade de que realmente tenha ocorrido o propalado excesso de execução, até porque o executado apontou o valor devido e atualizado do débito com base em planilha no montante de R$ 4.821,89. "á com relação ao pleito de compensação dos alimentos com eventuais alugueres decorrentes do uso do imóvel paterno pela exequente, o mesmo não se pode dizer, uma vez que nada indica que essa renda tenha sido arbitrada por sentença. Na falta pois de liquidez e certeza desse crédito, não se há que falar de compensação (CC, art. 369)." Por fim, diga-se que as alegadas dificuldades financeiras para o adimplemento da obrigação alimentar é questão que não pode ser debatida em demanda de execução de alimentos, pois, consoante a jurisprudência, "A competência do juiz da execução é limitada às impossibilidades ocasionais de pagamento integral, não podendo diminuir a pensão, alterar prazos, ou autorizar o parcelamento da dívida do executado, se o exequente a isto se opõe' (JTJ 162:9), mesmo porque 'A lei admite como defesa do executado apenas a prova de já ter feito o pagamento, ou da impossibilidade de efetuá-lo (CPC, art. 733)' (Bol. AASP 1.670/315)." Pelo exposto, CONCEDO em parte o efeito suspensivo pretendido, para determinar a remessa dos autos ao Contador Judicial, objetivando o recálculo do saldo devedor para que i) seja efetuada a compensação do saldo devedor exequendo com os pagamentos das mensalidades escolares e matrícula; ii) sejam considerados no cálculo os depósitos bancários feitos pelo executado em conta bancária da genitora do menor; iii) para, posteriormente, intimar o executado para pagamento sob pena de prisão. 3.- Às contrarrazões, no prazo legal. 4.- Após, remetam-se os autos à D. Procuradoria Geral de Justiça. 5.- Faculto aos interessados manifestação, no prazo de cinco dias, acerca de eventual oposição ao julgamento virtual, nos termos do art. 1º da Resolução 549/2011, do C. Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça de São Paulo, publicada no DJe de 25 de agosto de 2011 e em vigor desde 26 de setembro de 2011, c.c. art. 219, caput, do CPC 2015. O silêncio será interpretado favoravelmente ao encaminhamento virtual. Eventual ausência de discordância quanto ao julgamento do recurso por meio eletrônico implicará, automaticamente, a adoção do mesmo rito para o julgamento de eventuais embargos de declaração, salvo manifestação expressa das partes em contrário. Int.”
(g.n)
2- PRINCÍPIO DA BOA FÉ – PREVISTO NO ARTIGO 422 DO CÓDIGO CIVIL
Há de se levar em consideração ainda, em referida hipótese, o tempo em que foi permitido pela parte contrária (alimentado ou exequente) o pagamento com parte in natura e parte em pecúnia, pois, por vezes a parte permite que a situação se perpetue por anos a fio, e em determinado momento, resolve não mais permitir tal prática, vindo a efetivar a execução dos alimentos de todos os anos em que houve o pagamento in natura, o que sem dúvida leva ao enriquecimento ilícito e também contraria o princípio da boa-fé objetiva prevista no artigo 422 do Código Civil.
No caso de a parte (alimentado ou exequente) ter permitido a forma de pagamento dos alimentos in natura com o pagamento, por exemplo, de (escola e convênio médico) ao longo dos anos e parte em pecúnia sem qualquer insurgência da mesma pode fazer nascer a outra parte (alimentante ou executado) o princípio geral do direito do “Venire contra factum proprium”, ou seja, trata-se de um princípio que veda o comportamento contraditório e também guarda relação com a vedação de alegação da própria torpeza, pois, permitir que tenha sido consolidado uma situação fática ao longo dos anos sem qualquer manifestação contrária, legitimaria a parte (alimentante ou executado) a acreditar que embora não houvesse sido a forma de obrigação constante do título judicial, está foi aceita pela parte(alimentado ou exequente).
A vedação ao comportamento contraditório “Venire contra factum proprium” tem por escopo fazer com que as partes, tenham um comportamento de forma leal nas relações, quer contratuais ou obrigacionais, e o pagamento de alimentos sem duvida trata-se de uma relação obrigacional, assim, o princípio da boa fé, previsto no artigo 422 do Código Civil, deve ser observado.
Para exemplificar bem a aplicação do “Venire contra factum proprium” na defesa do devedor de alimentos que eventualmente tenha pago os alimentos na forma “in natura” sem qualquer objeção da parte contraria o longo dos anos, colaciona-se a lição de Orlando Gomes, em sua obra Contratos, Ed.Forense, 5ª ed,p.192:
"Assim como não pode ser desfeito pela vontade de uma das partes, o contrato não admite modificação do seu conteúdo que não resulte de mútuo consenso. Seus efeitos são, por outras palavras, inalteráveis ao arbítrio de um dos contratantes. Nesses precisos termos formula-se o princípio da intangibilidade dos contratos.
(...)
A alteração bilateral realiza-se, indiferentemente, por vontade expressa ou tácita das partes. O comportamento de um dos contratantes, diverso do que deveria ter em razão do disposto no contrato, o modificará, se o outro não se opuser, conduzindo-se de modo a se presumir sua aceitação. Não raro, a alteração sem vontade expressa, realiza-se pela adesão abdicativa, mas ordinariamente, a alteração bilateral efetua-se mediante acordo expresso de vontades. Se o contrato houver sido celebrado por escrito, introduz-se no seu instrumento, um aditamento. Desnecessário substituí-lo. As cláusulas constantes do aditamento incorporam-se ao conteúdo do contrato alterado, formando com ele um todo homogêneo"
(g.n)
Artigo escrito por Rosana Torrano
Advogada do escritório Rosana Torrano Advocacia, compondo em sua banca de advogados o Dr. Erik Vinicius Torrano do Espirito Santo e a Dra. Ariane Mayra Cunha
Advogada especializada em Direito de Famílias e Sucessões, Direito Processual Civil e Direito Médico e Hospitalar.
Docente da Faculdade de Direito (UNIESP –FAPAN)
Presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da 39ª Subseção da OAB São Bernardo do Campo/SP