26/12/2016. Enviado por Dr. Wagner Parronchi em Trabalho
Demissão “sem justa causa” não se baseia nas hipóteses de “justa causa”, as quais constituem situações gravíssimas e impossibilitam a boa continuidade das relações no trabalho.
As situações mais comuns de dispensa arbitrária ou discriminatória ocorrem em virtude de gravidez, sexo, doença, avanço da idade, cor, raça, opção religiosa, valor do salário, podendo ocorrer em outras hipóteses.
Na lei existem as hipóteses de despedida arbitrária, mas trataremos do ponto de vista de arbitrariedade da despedida discriminatória.
A despedida “sem justa causa”, respeitado entendimento diverso, a nosso ver, não é a mesma coisa que a arbitrária. “Arbitrariedade” é o ato por mero capricho, uma ação em que há abuso de autoridade, violência.
A demissão “sem justa causa” é aquela que não tem como causa nenhuma das hipóteses de “justa causa” (artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho), as quais constituem situações gravíssimas, que, em regra, impossibilitam a boa continuidade das relações humanas no trabalho, por isso a necessidade da rescisão do contrato laboral.
No entanto, não quer dizer que demissão sem justa causa não tenha nenhum motivo. Este deve ser admitido como aquele que seja “justificável”, no sentido de “justo”, de necessário, isto é, quando o empregador vê-se diante de uma necessidade estrutural, organizacional, econômica ou financeira para se falar em demissão sem justa causa, sem motivo arbitrário.
Entende-se, portanto, que a demissão pode ser injustificada ou “sem justa causa”, porém, com “justo” motivo de foro íntimo limitado do empregador ou, em hipótese diversa, ser injustificada e, assim, arbitrária, motivo pelo qual inciso I, do artigo 7º, da CF estabelece que a relação de emprego é protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, proteção esta a ser regulamentada por lei complementar, com previsão de indenização compensatória dentre outros direitos:
“Art. 7.º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;”
Assim, no nosso entender, a dispensa arbitrária não é a mesma coisa que a denominada imotivada ou sem “justa causa” e, como destacado acima, o termo “arbitrária” traduz uma despedida mais grave, que extrapola o livre agir do administrador/empregador e avança pelo campo da ilegalidade, tanto que, em diversas situações, pode ser anulada pelo Poder Judiciário e/ou ser compensada mediante grave indenização, seja moral ou material, inclusive com aplicação da Lei nº 9.029/1995 que combate a dispensa discriminatória.
A despedida “sem justa causa”, embora se trate de prerrogativa do empregador, poderá também ser revestida de outra faceta, aquela por abuso de direito, tal qual prevista pelo art. 187 do Código Civil, isto é, quando a despedida violar a boa-fé objetiva, tal como se verificam dos arts. 422 e 472, também do Código Civil, determinando que compete à parte (na esfera trabalhista, o empregador) guardar a boa-fé objetiva, tanto na conclusão, na execução e na sua extinção (“rescisão”, na esfera trabalhista).
Então, ocorrendo a despedida abusiva, mesmo que no cerne do contrato de experiência, além da indenização compensatória prevista pela despedida sem justa causa (multa de 50% do FGTS), o empregador poderá ser condenado a arcar com outra indenização a ser arbitrada em função do abuso de direito cometido que consiste em prática discriminatória nos termos do art. 1º da Lei nº 9.029/1995:
“Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.”
Evidentemente que quando ocorre a dispensa arbitrária ou discriminatória, salvo raríssimas exceções, mostra-se por demais dificultosa impor ao ex-empregado o ônus da prova, de modo que a distribuição deste ônus, nestes casos, deve sofrer atenuações, tendo em vista a aptidão para a produção probatória, a possibilidade de inversão do encargo e de aplicação de presunção relativa, tal qual vem decidindo o judiciário trabalhista brasileiro, inclusive sumulado pelo C. TST:
"Súmula 443 do TST: DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego."
Assim, “a dispensa discriminatória do empregado doente (vale dizer, dispensa arbitrária, motivada pelo conhecimento da doença do obreiro) inspira a presunção de injuridicidade,... E, por isso, eivada (contaminado) de nulidade, o que justifica a reintegração no emprego” (Arion Sayão Romita, Direitos Fundamentais nas Relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p. 337).
Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho do Paraná negou provimento a um recurso do Banco Santander contra uma sentença que o determinou à reintegração de um ex-empregado dispensado arbitrariamente por estar acometido de doença e por já estar com a idade avançada, confirmando, ainda, a condenação do aludido banco ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 500.000,00, em razão de demissão considerada abusiva, por ter sido discriminatória (TRT/PR: 23096-2013-012-09-00-8).
Noutro caso, envolvendo a Telefônica Brasil S/A, o Tribunal Superior do Trabalho confirmou condenação de 2ª Instância proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região para pagar R$ 50 mil a uma empregada demitida 13 dias após comunicar que se submeteria a procedimento cirúrgico para retirada de um câncer de mama, sendo que a empresa chegou a negar que a dispensa fosse discriminatória, argumentando que desconhecia o estado de saúde da funcionária (RR–875000-13.2005.5.09.0651 e AIRR e RR–80700-92.2007.5.15.0092).
Outro caso semelhante foi analisado pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em que uma empregada foi despedida sem justa causa dez dias após alta médica, sendo que era portadora de transtorno afetivo bipolar e ficou internada em clínica psiquiátrica, gozando de auxílio-doença por dois meses, todavia, ao receber alta, retornou às atividades laborais e em menos de duas semanas, foi informada pela Cinema Arteplex S. A da rescisão contratual.
Para o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, houve abuso de direito da empresa, condenada a pagar indenização por danos morais que, inconformada com a decisão, interpôs Recurso de Revista no TST solicitando a exclusão da indenização, destacando que exerceu seu direito potestativo de por fim ao contrato de trabalho por prazo indeterminado.
Entretanto, para a ministra Delaíde Miranda Arantes o direito de rescisão unilateral do contrato de trabalho, por iniciativa do contratante, não é ilimitado no ordenamento jurídico pátrio, o que argumentou citando aConstituição Federal, reafirmando que esta repele todo tipo de discriminação e reconhece como direito do trabalhador a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária, tendo o voto pelo não conhecimento do Recurso foi acompanhado, por unanimidade:
“A dispensa logo após a licença médica foi discriminatória e arbitrária, constituindo abuso de direito potestativo e ato ilícito.” (ministra Delaíde Miranda Arantes)
Assim, mesmo sendo certo que o ordenamento jurídico não mais contempla a figura da estabilidade (decenal) no emprego, assistindo ao empregador o direito potestativo de dispensar o trabalhador sem justa causa, tal direito não é ilimitado, tal como decidido nos exemplos acima relatados, e deve ser exercido dentro de padrões de legalidade, moralidade e boa-fé.
Afinal, a Constituição Federal consagra como um de seus objetivos a constituição de uma sociedade solidária (art. 3º, I) e como um de seus princípios a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a defesa dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV), a promoção do bem comum (art. 3º, IV) e a proteção contra discriminação (arts. 1º, III e IV, 3º, IV, 5º, caput e XLI, e 7º, XXX), impondo limites ao exercício do direito potestativo, mormente pelo princípio da proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária, insculpido no art. 7º, I, da Constituição
Federal, mesmo que ainda não regulamentado, mas dotado de eficácia normativa, e pelo princípio da função social da propriedade, conforme art. 170, III.
José Afonso da Silva (in Aplicabilidade das normas constitucionais, São Paulo, Malheiros Editores, 1999) ensina que as disposições constitucionais que impõem restrições à dispensa arbitrária (art. 7º, I) têm plena eficácia e são aplicáveis conforme os limites de seu conteúdo normativo, não se tratando de meros conselhos ou avisos, valendo destacar ainda, nos casos de dispensa arbitrária por motivo de doença, que o art. 196 do texto constitucional consagra a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, impondo a adoção de políticas sociais
que visem à redução de agravos ao doente, bem como a redução dos riscos inerentes à saúde do trabalhador e sua pronta recuperação, a ponto de se concluir que, embora a resilição unilateral seja efetivamente um direito assegurado a ambos os sujeitos do contrato de trabalho (direito potestativo), ao incorrer em abuso no seu exercício, o titular de tal direito tornará o ato, além de ilícito (art. 187 doCódigo Civil), suscetível à reparação do prejuízo à parte prejudicada (art. 927).
Como destacado acima, o abuso de direito está expressamente previsto noCódigo Civil, aplicado subsidiariamente no direito do trabalho, de forma que:
“... O empregador que despedir empregado sem que esteja presente em seu ato um interesse legítimo subjacente provocará abuso do direito de resilição unilateral. (...) Não se confunda aqui a despedida sem justa causa com a despedida desprovida de interesse legítimo. Uma coisa é falar que a despedida do empregado ocorreu sem justa causa ou, mais especificamente, sem incidência de falta grave elencada no art. 482 daCLT (apenas porque se pretendeu diminuir o número de empregador, por exemplo). Outra coisa é dizer que a 'dispensa sem justa causa', foi assim alcunhada no termo de rescisão, com o fito de dissimular a verdadeira intenção de prejudicar o empregado, em face de suas convicções religiosas ou políticas diversas da do empregador; esta segunda hipótese evidenciará em exercício irregular de direito, vez que o ato de dispensa estará dissociado de qualquer interesse legítimo” (José Affonso Dallegrave Neto in Rescisão do contrato de trabalho: doutrina e prática. São Paulo, LTr, 2001, pp. 34/35).
Quanto às consequências jurídicas, no que diz respeito ao dano material, deve ser resolvido à luz do art. 4º da Lei nº 9.029/1995:
Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:
I - a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais;
II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
Por fim, o trabalhador deve também ser indenizado pelo dano moral, vez que a dispensa assentada em ato discriminatório, trata-se de conduta que extrapola os limites do direito potestativo e enseja a responsabilidade civil do empregador, estando presentes os três elementos essenciais para a sua configuração: o dano, o nexo causal entre este e a conduta abusiva do empregador e o dolo, notadamente em face dos preceitos da Lei 9.029/95 que cuida de acentuar o combate às práticas discriminatórias por motivo de idade.
Na fixação do montante indenizatório deve ser considerada a repercussão da ofensa, a posição social, profissional e familiar do ofendido, assim como a intensidade do seu sofrimento, do dolo do ofensor e a situação econômica deste, bem como o caráter sancionador da indenização.
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