02/11/2021. Enviado por Dr. Cesar José Claro
O final da década de 80 foi marcado, no campo político brasileiro, de movimentos em prol do recrudescimento do Direito penal1, destacando-se dentre as correntes punitivistas o Movimento de Lei e Ordem (década de 70), tendo como seu maior expoente Günther Jakobs, tido como um dos mais brilhantes discípulos de Welzel.2
A lei dos crimes hediondos (Lei n.º 8.072/90) representa o marco inicial deste movimento no Brasil, recebendo amplo apoio da sociedade, haja vista a propagação pela mídia da insegurança social.
Para Bianchini:
O criminoso convencional, no presente contexto, funciona como “bode expiatório”debitando-se-lhe a total responsabilidade pela onda de violência vivenciada em sociedade. É nele que se concentra todo o sentimento de vingança que irrompe na sociedade, em face de um histórico de inexistência de cidadania, contribuindo para o aparecimento de uma “catarse coletiva” na qual o principal punido é aquele que já é vítima dos processos de exclusão social. Em se tendo por correto que a desigualdade social representa o principal fator de criminalidade, assiste-se à estarrecedora situação em que não se busca a solução do problema por meio de ações propensas a erradicar sua causa, mas sim, absurdamente, sua conseqüência.3
Devido ao recrudescimento da legislação penal, o resultado nos parece óbvio, da década de 90 para cá entraram muitos presos no Sistema Prisional, e poucos foram os que dele saíram, gerando assim uma superlotação carcerária, misturando-se suspeitos com aqueles que já foram sentenciados, de infratores de delitos diferentes, bem como decretos de prisão preventiva e indeferimentos de liberdade provisória sem a devida fundamentação.
Vêm ao encontro deste pensamento os artigos abaixo mencionados, de autoria de Priscyla Costa e Marina Ito:
"Para Gilmar Mendes, não se pode basear decreto de prisão em argumentos genéricos, como garantia da ordem pública ou clamor popular. Qualquer HC que questione decreto de prisão preventiva expedido com base nesse argumento certamente será deferido pela corte.
A jurisprudência do Supremo é clara ao afirmar que nem ordem pública nem clamor popular justificam prisão. Estes são argumentos genéricos. E, quando esses argumentos forem invocados, o juiz precisa justificá-los, indicando os fatos concretos em que se baseia.
O decreto de prisão preventiva ainda precisa mostrar prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, conforme determina o artigo 312 do Código de Processo Penal. Também não cabe deixar alguém preso por causa da gravidade do delito. Isso fere o princípio constitucional da presunção de inocência."4
"O número de presos provisórios no Brasil aumentou mais do que o número de presos em geral — condenados e provisórios. Em 2000, eram 43 mil pessoas nessa situação. Em junho de 2008, o número já tinha saltado para pouco mais de 130 mil. Para os participantes do seminário Depois do grande encarceramento, promovido pelo Instituto Carioca de Criminologia (ICC) e pelo Ministério da Justiça, o aumento de prisões cautelares é um dos fatores que revelam o excesso de punição no país.
A quantidade de prisões aumentou nas últimas décadas, acompanhando uma tendência não só no país como mundial. Entretanto, embora haja mais pessoas presas, a criminalidade não diminuiu. Números do próprio Ministério da Justiça demonstram que 80% das pessoas que são retiradas do convívio social voltam a cometer crimes quando conseguem a liberdade. O número cai para cerca de 5% quando os condenados cumprem medidas alternativas. Presidente do ICC, o criminalista Nilo Batista afirma que há punição demais.
Para o criminalista Salo de Carvalho, a contenção do excesso punitivo passa pelo Judiciário, já que, no Legislativo, há uma onda de projetos de lei que visam endurecer as regras penais. O advogado afirma que o juiz tem medo de soltar um preso e do impacto que essa decisão vai ter na sociedade."5
Sendo certo, consoante a nossa Magna Carta de 1988, onde a mesma elencou várias garantias constitucionais aos cidadãos que estão sendo processados criminalmente, é temeroso adotar-se posicionamentos como o da teoria do Direito Penal do Inimigo (Movimento de Lei e Ordem – EUA – década de 70).
São importantes os preciosos comentários dos nobres professores Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes sobre o movimento punitivista e o Direito Penal do Inimigo:
“O tratamento diferenciado, antigarantista, discriminador e injustificado de determinados autores de crimes, pois, segundo nossa perspectiva, é a característica mais marcante do Direito penal do inimigo.”
(...)
“Direito penal punitivista (retribucionista ou prevencionista, que implica a punição exacerbada e desproporcional sobretudo dos pobres, marginalizados, imigrantes, excluídos, usuários de drogas etc.) + Direito penal do inimigo (aplicação do Direito penal sem as devidas garantias penais e processuais) + encarceramento massivo dessa preferencial clientela = indústria das prisões. Desde 1980, especialmente nos E.U.A., o sistema penal vem sendo utilizado para superpovoar os presídios. Tudo começou como fruto da política econômica neoliberal de Reagan e Tatcher. Cabe considerar que desde essa época, paralelamente, vem se difundindo o fenômeno da privatização dos presídios, que é uma das beneficiárias mais destacadas da indústria das prisões. Quem constrói ou administra presídios precisa de presos (para assegurar remuneração aos investimentos feitos). Considerando-se a dificuldade de se encarcerar gente das classes mais bem posicionadas, incrementou-se a incidência do sistema penal sobre os excluídos. O Direito penal da era da globalização caracteriza-se (sobretudo), desse modo, pela prisionização em massa dos marginalizados.”
“Qual é o sentido dessa crítica? A crítica acadêmica não pode ter a pretensão de “converter” os inimigos do Direito penal (alguns penalistas, tal como Jakobs, a mídia, o legislador, os governantes, alguns aplicadores ou práticos do Direito etc.) em amigos do garantismo. O escopo é outro: é o de sensibilizar os juízes e especialmente as cortes superiores que, com independência, não podem deixar de agir dentro da constitucionalidade vigente, eliminando do Direito tudo quanto procura negá-lo. Essa função de “filtragem” do que é válido ou inválido está reservada aos juízes e, sobretudo, às Cortes Superiores. Para elas é que devemos discursar.”6
Portanto, não podemos deixar que a constante criminalização da pobreza se torne algo comum e utilizada como Política Criminal para se tentar diminuir a violência, ou como resposta para os anseios da sociedade e da mídia, como nos Estados Unidos, afinal lá o pobre encarcerado gera lucro para o sistema prisional que é privado, aqui, ao contrário, gera muitos e incontáveis prejuízos, e o principal é a difícil ressocialização do ex-detento após sua passagem pela perniciosa e deletéria ação do cárcere.
Verifica-se, portanto, que o punitivismo exacerbado não é a melhor maneira para se conter a violência e a criminalidade, haja vista que o número de delitos e de encarcerados somente aumentaram.
Forçoso concluir, portanto, que o punitivismo exacerbado introduzido com o recrudescimento da legislação penal somente serviu para aumentar os problemas de nosso sistema penitenciário, além do que está servindo para somente encaminhar pobres e miseráveis para o cárcere, quando não são mortos ainda crianças, quando estas se envolvem com delitos como o tráfico de drogas ilícitas.
1 BIANCHINI, Alice. Os grandes movimentos de política criminal na atualidade: movimento de lei e ordem, minimalismo penal e abolicionismo. Material da 2ª aula da Disciplina Política Criminal, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais – UNIDERP - REDE LFG – IPAN.
2 GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. “Direito penal” do inimigo e os inimigos do direito penal. Revista Ultima Ratio. Coord. Leonardo Sica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, ano 1, p. 329-356. Material da 2ª aula da Disciplina Política Criminal, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Telepresencial e Virtual em Ciências Penais – UNIDERP – REDE LFG - IPAN.
3 BIANCHINI, Alice. Os grandes movimentos de política criminal na atualidade: movimento de lei e ordem, minimalismo penal e abolicionismo. Material da 2ª aula da Disciplina Política Criminal, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais – UNIDERP - REDE LFG – IPAN.
4 COSTA, Priscyla. Juiz delegado. STF concede 70% dos HC porque pedido de prisão é ilegal. Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2007. Disponível em: http://www.conjur.com.br/static/text/59131,1. Material da 2ª aula da Disciplina Política Criminal, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Ciências Penais – UNIDERP – IPAN - REDE LFG.
5 ITO, Marina. Fracasso do exagero. Número de presos provisórios revela excesso de punição. Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2008. Disponível em: http://www.conjur.com.br/static/text/69491,1. Material da 2ª aula da Disciplina Política Criminal, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Ciências Penais – UNIDERP – IPAN - REDE LFG.
6 GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. “Direito penal” do inimigo e os inimigos do direito penal. Revista Ultima Ratio. Coord. Leonardo Sica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, ano 1, p. 329-356. Material da 2ª aula da Disciplina Política Criminal, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Telepresencial e Virtual em Ciências Penais – UNIDERP –REDE LFG - IPAN.