31/08/2015. Enviado por Dr. Paulo Cesar Santos Almeida
1 Introdução
O trabalho ora apresentado tem como objetivo trazer a discussão na utilização de forma adequada das receitas oriundas da extração de nossos recursos naturais, com a finalidade de diminuir as desigualdades regionais e proteger de maneira integral eventual área a ser degradada, equacionando o desenvolvimento e a sustentabilidade, além de redefinir as linhas atinentes a reforma tributaria.
Nessa linha de raciocínio o Federalismo Fiscal brasileiro e os royalties do petróleo são abordados, bem como a forma de exploração e de partilha, dentro da Federação, de tal recurso mineral, o que, por final, motivou recente discussão no Congresso Nacional acerca dos royalties, bem como o Poder Judiciário foi acionado para decidir sobre isto, e mais especificamente sobre tal receita e sua repartição para o bolo federal.
Em especial, com a descoberta de um grande volume petrolífero na costa brasileira, foram abordados temas polêmicos como a partilha dos royalties do petróleo entre os entes federados, as principais legislações sobre nossa soberania marítima, e, as diversas ações interpostas recentemente pelos Estados “produtores” e “não produtores” supostamente prejudicados pela captação dos recursos dos royalties do petróleo, uma vez que parte dos recursos obtidos com a extração do petróleo, devem ser obrigatoriamente aplicados em saúde e educação.
2 O Reflexo das explorações desordenadas no Brasil e as sequelas deixadas após o esgotamento dos recursos minerais
O reflexo da exploração desenfreada dos recursos naturais no Brasil se caracteriza pela ganância do sistema capitalista sem que ocorra alteração consistente e substancial na sociedade. Nessa linha de raciocínio um planejamento claro e transparente de uma política de investimento com os recursos auferidos em determinada exploração deveria ser revertido em benefício da população local, justamente para que não experimentassem simplesmente uma prosperidade econômica momentânea, ou seja, com a obtenção das receitas dos recursos minerais se pudesse construir um legado que subsistisse ao término de determinada atividade exploratória. Temos como principais exemplos o garimpo de Serra Pelada, na qual ficou conhecido mundialmente como a maior jazida de ouro do mundo a céu aberto, tendo nessa grande estância aurífera localizada no Estado do Pará, uma expansão regional econômica imensa na década de 80. Na qual durante 6 anos, foi produzido 50 toneladas de ouro, chegando a ser considerado um verdadeiro “formigueiro” humano com 60 mil pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo na busca de enriquecimento rápido.
Consequência, após três décadas o que restou foram histórias de um tempo em que a moeda corrente era pepitas de ouro, e um grande lago da área que ocorria a exploração, com 30 metros de lâmina de água e 70 metros de lama de fundo, além de uma população empobrecida que vide numa verdadeira cidade fantasma. Já no Estado do Amapá, durante quase meio século explorou-se o manganês na Serra do Navio, o manganês faz parte de várias ligas de aço na qual e utilizado de muitas formas diversas, desde fertilizantes até a produção de tintas. Para exploração do minério, uma verdadeira cidade foi erguida pela Indústria de Comércio e Minérios (ICOMI) que firmara um contrato para explorar manganês por 50 anos, no caso até 2003. Da Serra do Navio, saíram cerca de 60 milhões de toneladas de manganês, que na sua maioria foram exportadas para o mercado americano[1]. Por outro lado, o minério esgotou-se em 1997, fazendo com que a ICOMI abandonasse a exploração antes mesmo que terminasse o prazo da concessão, legando à pequena população, de quase 4.500 habitantes[2], poucas opções no mercado de trabalho resultando ainda em graves impactos ambientais nas proximidades da área explorada, especialmente com a contaminação por arsênio[3]. Caso similar também ocorreu no famoso ciclo da Borracha, que por um determinado tempo gerou um período de grande riqueza para as grandes capitais do Norte do País, tais como Belém e Manaus. Ocorrida no final do século XIX e início século XX, em que a borracha extraída nos seringais nativos da Amazônia abastecia a indústria automotiva mundial. Durante este período de prosperidade os grandes Barões da borracha mandavam seus herdeiros para estudarem na Europa, já nos teatros estes recebiam a grandes companhias e orquestras europeias. Mas no início do século XX, houve um declínio do monopólio dos seringais amazonenses em virtude do plantio de seringueiras nas colônias asiáticas da Inglaterra, acabando com a prosperidade da região.
Portanto, os três exemplos acima citados corroboram na idéia de que a exploração desenfreada dos recursos naturais sem qualquer tipo de planejamento ou investimento na área explorada, no final dessa exploração somente trará prejuízos para as essas populações e sequelas irreparáveis ao meio ambiente. Nesse contexto, é necessário um estudo profundo dos órgãos governamentais e ambientais para que após o esgotamento desses recursos minerais, todos os tributos, recursos ou participações decorrentes dessa extração sejam revertidas em prol da comunidade local, numa forma de amenizar o impacto ambiental e econômico como legado.
Recentemente com a descoberta de um grande volume petrolífero na costa brasileira no ano de 2007, essas enormes jazidas do pré-sal causaram grande repercussão nacional e internacional, elevando as reservas petrolíferas brasileiras nos patamares próximos aos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Com esses fatos está ocorrendo um embate nacional entre os Estados na qual se encontram essas jazidas e os demais Estados do nosso País no que tange ao rateio da arrecadação dos royalties do petróleo, fazendo com que a matéria seja amplamente debatida perante o Congresso Nacional. A palavra inglesa royalties significa uma importância cobrada pelo proprietário da patente de um produto, o criador de um processo de produção, uma marca, entre outros, ou pelo autor de uma obra, para permitir seu uso ou comercialização. Os royalties do petróleo são cobrados das concessionárias que exploram a matéria-prima, de acordo com sua quantidade, sendo que o produto de tal arrecadação fica com o Governo concedente do direito de sua exploração. Somente para se ter ideia da participação governamental da arrecadação do setor petrolífero somente no repasse dos royalties nos últimos 10 anos, entre o período compreendido de 2001 a 2010, alcançou o montante de 65 milhões de reais. Melhor esclarecendo somente no ano de 2010 houve um repasse entre os entes beneficiados no importe de 9,9 bilhões.
Portanto, com essa descoberta das megajazidas do pré-sal necessário se faz um grande debate entre os diversos órgãos da sociedade em especial para que o Congresso Nacional possa alterar o regime dessa distribuição dos royalties do petróleo, numa forma de propiciar uma melhor aplicação dessa receita entre toda a coletividade, até porque essas riquezas obtidas certamente um dia cessarão.
Como exemplo temos o Estado do Rio Grande do Norte, que vem enfrentando um crescente exaurimento dos seus campos petrolíferos nos últimos anos. Uma análise superficial do total produzido pelo Estado no período 2001-2010 aponta para uma queda de quase um terço na produção petrolífera, seja em terra ou em mar. Uma análise do Anuário Estatístico de 2011 da ANP conduz a esta conclusão, visto que a quantidade de barris de petróleo produzido pelo Estado do Rio Grande do Norte, seja em terra ou em mar, apresenta uma tendência de queda. De 2009 para 2010 a queda foi de 2,33% na produção em terra e de 3,26% na produção em mar. Tomando-se por base desde o ano de 2011 esta tendência de queda na produção fica ainda mais clara. No referido ano a produção de barris de petróleo no Rio Grande do Norte era de 25,8 milhões de barris de petróleo em terra e de 3,76 milhões de barris no mar, totalizando uma produção de 29,56 milhões de barris em todo o Estado. De 2011 a 2010 a tendência de queda é pequena, mas é nítida. Assim, no ano de 2010 a produção atingiu 17,86 milhões de barris de petróleo em terra e de 2,91 milhões de barris no mar; portanto uma produção em 2010 de 20,77 milhões de barris de petróleo. Atente-se que, em apenas 9 anos (menos de uma década!) ocorreu uma queda de quase um terço da produção, mas precisamente uma queda de 29,73% do total produzido pelo Estado do Rio Grande do Norte. (Análise e cálculos elaborados com base nos dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natural e biocombustíveis – 2011 – Rio de Janeiro – ANP, 2011).
Portanto, sem um manejo adequado na exploração de qualquer recurso ou matéria-prima, e em especial dos recursos minerais, que são finitos, estar-se-á levando ao esgotamento destes minerais por esta exploração desordenada. O Governo não tem um plano dessa exploração, tão pouco faz o manejo ou mesmo uma fiscalização adequada, é dizer, as gerações futuras não poderão contar com tais riquezas face à ganância dos exploradores e a omissão do próprio Estado.
3 A Partilha dos royalties do petróleo nos principais países produtores
A partilha dos royalties do petróleo junto aos principais países produtores de petróleo demonstra que, geralmente, a receita fica com o Governo central, mas em alguns países este repassa aos seus Estados-Membros uma parte desta receita. Sérgio Wulff Gobetti[4] aponta que, dentre os principais países, destacam-se:
Na Venezuela, a arrecadação obtida na exploração do petróleo na qual pertence a companhia estatal PDVSA, sendo que o governo depende das suas receitas do petróleo na porcentagem de 40% e 60% . As receitas federais são divididas com E & M de duas formas distintas: um fundo de participação, que reúne 20 % de todas as receitas orçadas e é dividido entre todos os estados em partes iguais 30%, e com base na população (70%); uma lei de alocação especial, que destinava 17,5 % da receita de royalties para os estados produtores e 7,5% para os demais. Esta lei foi alterada o ano de 2010, sendo que todos os recursos obtidos foram redirecionados para o fundo de compensação inter-territorial fortemente controlado pelo governo federal.
No México, mais de um terço das receitas fiscais do país provem do setor petrolífero e da estatal PEMEX, na qual transfere ao governo cerca de 60,8 % de suas receitas e 39,2 % sobre o lucro extraordinário obtido quando o petróleo ultrapassa m preço de referência; uma parcela dessa receitas e dos demais impostos arrecadados pelo governo federal é canalizada para o fundo de participação e distribuída entre todas as unidades federadas de acordo com a população e a capacidade de geração de receitas fiscais de cada uma.
Na Rússia, cerca de 50% da receita do governo russo provém do setor petrolífero, sendo coletada por meio de imposto de exportação e um imposto sobre extração mineral. O porcentual distribuído aos governos regionais foi reduzido progressivamente na última década, de 60% até 2002 para 0% em 2010. Contudo, as regiões produtoras conseguem manter uma receita per capita comparável a Moscou e cinco vezes maior que outras regiões menos dotadas devido à regra de distribuição (ou retorno à origem) do imposto de renda pessoal e corporativo, inclusive aquele pago pelas empresas petrolíferas. Essa disparidade é reduzida por meio de sistema de equalização.
Na Nigéria, o governo retém cerca de 80% do lucro do setor petrolífero por meio do regime de partilha de produção e aplica princípio da derivação para transferir 13% dos recursos para os estados produtores e adjacentes à produção offshore (antes eram 50%). Além disso, todos os estados também recebem uma parcela da arrecadação federal, que é dividida de acordo com vários critérios, como densidade populacional, extensão territorial, esforço de arrecadação própria e necessidade de gasto.
No Canadá, a maior parte do petróleo canadense ainda é extraído em terra, e as províncias produtoras possuem autonomia para cobrar royalties e, inclusive, imposto sobre a renda das empresas, o que lhes proporciona uma vantagem fiscal significativa, principalmente quando os preços internacionais estão em alta. No caso da produção marítima, as províncias confrontantes também ganharam o direito de cobrar royalties e imposto sobre renda. Essas receitas são parcialmente contabilizadas (atualmente na fração de 50%) pelo governo federal para obter uma média-padrão que serve de referência para o sistema de equalização, financiado exclusivamente com recursos federais. Na prática, as províncias produtoras possuem receitas per capita superiores à média nacional (a de Alberta, por exemplo, é 60% maior) e, por isso, não recebem transferências, mas também não contribuem para o fundo de equalização.
Na Austrália, o país convive atualmente com dois regimes de tributação para a produção marítima – a Lei do Petróleo de 1967, que estabeleceu uma dupla cobrança de taxa sobre o óleo cru e de royalties (12,5%), sendo este último dividido com estados confrontantes na proporção de até 68%; e a Lei do Imposto sobre a Renda do Petróleo, de 1987, que previu pagamento de 40% do lucro petrolífero ao governo central, sem previsão de partilha. Atualmente apenas dois campos de petróleo localizados no noroeste do país continuam submetidos à lei de 1967, garantindo algum benefício especial aos confrontantes. Além disso, a federação adota desde 1973 um regime de equalização (entre capacidade de arrecadação e necessidade de gasto) que promove uma complementação (com recursos federais) e redistribuição de receitas, de forma a eliminar qualquer vantagem fiscal inicialmente obtida pelos estados recebedores de royalties.
Portanto, a partilha destes royalties do petróleo é muito comum nos principais países produtores, mas aqui no Brasil isto gerou grande polêmica, principalmente por parte dos Estados produtores (RJ, ES, SP, RN) que não querem perder esta imensa receita, e tão pouco estavam preparados para tamanha queda de arrecadação.
4. A legislação atual sobre a exploração econômica e a distribuição dos royalties do petróleo
Conforme se infere ao longo de nossa história, existem diversas legislações em nossas constituições que tratam sobre o tema da exploração e proteção de nossa plataforma continental, mas somente na constituição de 1967, se elevou o mar como bem da União. Por sua vez, na Constituição Federal de 1988 fez a divisão conforme a Convenção das Nações Unidas de Direitos do Mar, excetuando a Zona Contígua.
A questão sobre o Direito do Mar teve como ponto de partida a I e II Conferências das Nações Unidas, ocorridas em Genebra em 1958 e 1960, após este evento se deu maior importância ao mar como território soberano e potencial área de exploração econômica além da pesca. Resultando a matéria na inclusão no texto constitucional de 1967 como domínio da União. Entretanto, é na década de 1980 que se pode notar mais ênfase no tratamento econômico e jurídico do mar, visto sua especificação em "mar territorial", "zona econômica exclusiva" e "plataforma continental" na CF/88. Além disso, o surgimento de legislação específica e de estudos realizados pelo IBGE referente às linhas de projeção das fronteiras dos entes federados à plataforma continental, em meados da daquela década, constituiria relação intensa entre os royalties do petróleo e a extensão marítima.
4.1. A soberania marítima brasileira e a nova regulamentação da exploração de petróleo
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Convenção de Montego Bay), de 1982, originada da III Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar, de 1973, foi ratificada pelo Brasil em 22 de dezembro de 1988, após ser referendada pelo Congresso Nacional em dezembro de 1987 (decreto legislativo 05/87), entrando em vigor efetivamente em 16 de novembro de 1994, conforme Decreto n. 1.530, de 22 de junho de 1995. Sua importância para o tema é ímpar porque estabeleceu distinções na compreensão que se tinha da extensão da soberania marítima brasileira até a CF/88, promulgada já sob os auspícios da referida convenção.
O antigo Decreto-lei 1.098, de 25/3/1970 estabelecia 200 milhas náuticas para o mar territorial brasileiro. Esse entendimento, contudo, foi sendo substituído após a ratificação da Convenção de Montego Bay, que estabeleceu em até 12 milhas náuticas a largura do mar territorial, além de estabelecer novas limitações e divisões das águas marinhas como a Zona Contígua (ZC) – até 24 milhas desde a linha de base; Zona Econômica Exclusiva (ZEE) – até 200 milhas desde a linha base; Plataforma Continental – em princípio, até 200 milhas desde a linha de base; e prezar pela proteção dos fundos marinhos e recursos naturais. Este tema foi finalmente internalizado e adentrou o ordenamento jurídico nacional com a edição da Lei n. 8.617/93, que regulamenta as três zonas mais a plataforma continental e revoga o Decreto-lei n. 1.098/70.
Como a CF/88 estabelece no art. 20 serem bens da União, respectivamente, os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, e o mar territorial, foi editado o Decreto n. 98.145/89 que instituiu o LEPLAC - Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira para confecção de análises que pudessem estabelecer o real limite da Plataforma Continental, conforme autorização do art. 76 da Convenção – limitação máxima de até 350 milhas da Plataforma Continental. O Brasil pleiteou na Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU uma área total de 960.000 Km², além do limite de 200 milhas. Entretanto, em 2007 a Comissão não aceitou o pedido integralmente e, hoje, ainda se estuda nova proposta a ser apresentada.
Para que se tenha mais clara a relação entre os royalties petrolíferos e a denominada "Amazônia Azul" (acepção dada aos limites jurídicos extremos do território marítimo brasileiro), constata-se que as áreas petrolíferas compreendidas nos grandes campos de petróleo e gás como "Tupi", "Carioca", "Guará" e "Júpiter", localizados na costa sudeste-sul do Brasil, estão em área limítrofe da ZEE, e mais outras áreas além desse limite têm formação geológica semelhante às já descobertas, o que torna enfática a defesa de ampliação de limites da plataforma continental.
A questão dos royalties da exploração do petróleo ocupa espaço intenso dos meios de comunicação, do Congresso Nacional e das Assembleias e Governos estaduais desde a divulgação da descoberta, pela Petrobras, do petróleo da camada do pré-sal, em 2008. Como dito, a Constituição estabelece o mar como limitado nessas condições à pesquisa e lavra da União, permitindo-lhe conceder os direitos de exploração a empresas, nacionais e estrangeiras (art. 177 e §1º), e assegurar participação no resultado da exploração aos Estados, Distrito Federal e Municípios (§1º do art. 20). A alta quantidade a ser explorada, a boa qualidade do petróleo (“petróleo leve”) e a produtividade que se espera nos próximos anos levaram os entes federativos a ampliar a já antiga “guerra das linhas de projeção” para uma guerra entre “produtores” e “não-produtores”, resultando na edição da Lei 12.734/12.
Sancionada a princípio sob vetos presidenciais, a lei das “novas regras de distribuição entre os entes da Federação dos royalties e da participação especial devidos em função da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos” teve os vetos rejeitados pelo Congresso Nacional e foi promulgada integralmente pela Presidenta da República em 25/3/2013. A Lei 12.734/12 modificou as Leis 12.351/10 e 9.478/97 e, segundo Bruno Meneses Lorenzetto e Pedro Henrique Gallotti Kenicke[5], teve como principais alterações, em síntese:
1. Previu a transferência dos royalties e da participação dos Estados e Municípios confrontantes à plataforma continental, reduzindo as percentagens sobre a produção sucessivamente até os anos de 2018 e 2019, para um fundo especial constituído destinado a redistribuir os recursos oriundos dos royalties aos Estados e Municípios não confrontantes ou não produtores – em realidade são dois fundos especiais, um para os Estados e outro para os Municípios;
2. Esses fundos especiais terão como objetivo a destinação de recursos para: educação, infraestrutura social e econômica, saúde, segurança, programas de erradicação da miséria e da pobreza, cultura, esporte, pesquisa, ciência e tecnologia, defesa civil, meio ambiente, em programas voltados para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e para o tratamento e reinserção social dos dependentes químicos, conforme o art. 50-F incluído na lei 9.478/97;
3. A redistribuição far-se-á desta maneira: os Estados e Municípios confrontantes ou produtores à plataforma continental poderão escolher entre o fundo especial e a percentagem proveniente da produção dos royalties e da participação especial a serem distribuídos, após ter conhecimento dos respectivos valores. Escolhendo a divisão do fundo especial, que se fará conforme a divisão já existente do Fundo de Participação dos Estados ou do Fundo de Participação dos Municípios, o ente federativo não poderá obter a parcela compensatória dos royalties e da participação especial que será acrescida automaticamente ao fundo especial;
4. Aqueles entes confrontantes que receberão recursos dos royalties e participação especial não poderão receber suas parcelas do FPM ou FPE que serão redistribuídas entre os que não o são, proporcionalmente às suas participações;
5. Mais: há um teto para perceber os valores somados dos royalties e da participação especial. Conforme a nova lei, o teto é limitado para os entes ao maior valor: ou o total arrecadado em 2011 ou por meio do cálculo de duas vezes o valor per capita distribuído pelo FPM multiplicado pela população do Município – o mesmo para o FPE. Isto é, a quantia que for mais alta dentre os dois meios. A parcela (seja de royalty, seja de participação especial) que contribuir para ultrapassar esse teto (limite de pagamento ao Município) será transferida para o fundo especial criado; e
6. O art. 4º e seus incisos da lei 12.734/12 trataram de revogar seis dispositivos das lei 9.478/97 e 12.351/10 que dispunham sobre: (i) a constituição dos royalties como recurso do Fundo Social, previsto na lei 12.351/10, este destinado a custeio do desenvolvimento social e regional, das medidas sociais contra a pobreza e miséria, da ciência e da tecnologia, etc.; assim como, (ii) dispunham outros sobre a destinação específica, dos recursos provenientes dos royalties, de 40% do recebido pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento técnico-científico das regiões Norte e Nordeste. Em suas razões para o veto, a Presidenta da República o justificou para garantir a destinação dos recursos ao desenvolvimento regional.
Após a publicação da lei em 30/11/2012, com todas as alterações referidas vetadas, foi editada a Medida Provisória n. 592, de 03/12/2012. De acordo com a Exposição de Motivos dos Ministérios da Fazenda e de Minas e Energia[6] enviada juntamente com a Mensagem da Presidência ao Congresso Nacional, a MP surgira:
1. Para respeitar o direito adquirido dos entes produtores que tornaram a receita dos royalties objeto de securitização ou operação de antecipação de recebíveis. Isto é, para garantir “a estabilidade das relações jurídicas já estabelecidas”, anteriores a 03 de dezembro de 2012 – algo que a lei 12.734/12 não respeitou (note-se que a exposição refere-se à lei, já publicada no dia 30 de novembro de 2012, como PL 2.565/11);
2. Para garantir a mesma distribuição de receitas concebida na lei. 12.734/12, mas com correção de cálculo total;
3. Para garantir a destinação integral dos recursos de contratos de concessão assinados após o dia 03 de dezembro de 2012 para a educação;
4. Para destinar 50% dos recursos do Fundo Social criado pela lei. 12.351/10 à educação e, inclusive, destinar toda a receita advinda dos contratos de exploração da camada pré-sal para o Fundo Social (disposição revogada pelo art. 4º da lei. 12.734/12).
5. Como medida de urgência, porquanto a realização de novas licitações de blocos e a produção de petróleo com base em regras claras e firmes era uma necessidade premente. Com efeito, o início da 11ª Rodada de Licitação de Blocos ocorreu no dia 14 de maio de 2013, algo que não acontecia desde a última rodada em 20089.
Os vetos opostos pela Presidente foram rejeitados pelo Congresso Nacional, resultando na promulgação em 25 de março de 2013 da segunda parte da Lei n. 12.734/12. A MP 592 perdeu sua vigência em 12 de maio de 2013, mas, antes disso, sua discussão no Senado Federal foi sobrestada em abril até que fosse julgada a ADin 4.917 no STF.
Observe-se que do diálogo entre Poder Legislativo e Executivo sobressai o seguinte: a redução das percentagens destinadas aos Estados e Municípios confrontantes e o consequente aumento da participação da União, junto com a constituição dos fundos, são pacíficos, como bem demonstra a Exposição de Motivos da MP 592 no parágrafo 6º:
6. Ao mesmo tempo, para restabelecer as relevantes proposições do Congresso Nacional, formuladas no mais elevado espírito de interesse público, encaminha-se proposta de distribuição mais equitativa entre os entes federados dos recursos a serem arrecadados com royalties e participações especiais oriundos de novos contratos de concessão. Nesse sentido, estão sendo sugeridas alterações na lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, garantindo a distribuição de royalties e participações especiais da produção em mar, na proporção aprovada no PL 2565/11 aplicável, contudo, apenas para os contratos de concessão futuros.
A grande polêmica gira em torno dos critérios de distribuição desses recursos focalizados em dois fundos (Social e Especial). Não é por acaso serem esses critérios, e não a distribuição de percentagens, os objetos de veto.
4.2. Os royalties do petróleo e a tensão entre o Legislativo e os outros poderes
Após a promulgação da Lei n. 12.734/12 o Estado do RJ protocolou por meio de seu Governador, ADin, ação que foi seguida pelo Estado do ES e pelas Assembleias Legislativas do RJ e de SP. Apesar do veto presidencial ter sido derrubado pelo Congresso, a MP 592/12, segundo relatório da Controladoria-Geral da União, não foi revogada, restando o ponto conflitante sobre a questão da distribuição dos royalties.
A ADIn com pedido de medida cautelar foi ajuizada pelo Rio de Janeiro em 15 de março de 2013. Foi julgada pela Ministra Cármen Lúcia em 18 de março de 2013, a qual entendeu procedente a medida cautelar, perante o risco à segurança jurídica, política e financeira dos Estados e Municípios que passariam a experimentar indeterminação em relação a quais regras deveriam orientar a distribuição dos royalties. Por isso, a Ministra suspendeu em caráter liminar, os efeitos de diversos dispositivos da lei. 9.478/97, que haviam sido alterados pela Lei n. 12.734/12.
Na sequência, além do Agravo Regimental interposto pelo Senado Federal em 25 de março de 2013, foram realizados vários pedidos de ingresso no feito na condição de amicus curiae (amigo da corte) por diversas entidades envolvidas como a Confederação Nacional dos Municípios, o Instituto dos Auditores Fiscais da Bahia, a OMPETRO, a ABRAMAT, a OAB do Rio de Janeiro, a AMPROGÁS, além dos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Tocantins, Alagoas, Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraíba.
O Estado do Rio de Janeiro, além de aditar a Petição Inicial, apresentou resposta ao Agravo Regimental apresentado pelo Senado Federal, defendendo a manutenção da Liminar, contraditando os argumentos apresentados pelo Congresso na defesa da manutenção da lei. 12.734/12. Em 14 de maio o processo encontra-se concluso ao Relator e aguarda julgamento pelo Plenário do STF, momento em que deverão ser julgadas em conjunto as quatro ADIs que versam sobre a matéria (4916, 4917, 4918, 4920).
Algumas questões devem ser consideradas sobre o trâmite político e jurídico da presente questão. Primeiro, há considerável intervenção política dos três Estados do Sudeste (Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo) na presente matéria, sobressaindo-se o Estado do Rio de Janeiro, o mais afetado com as alterações legislativas promovidas. A intervenção política acabou por repercutir no uso do veto presidencial, que veio de ser derrubado pelo Congresso. Há de ser observado, também, uma deferência constante ao veto, tanto no parecer da AGU, bem como na liminar da Ministra Cármen Lúcia.
Os argumentos jurídicos que se tornaram objeto do debate foram o da “segurança jurídica” e do “direito adquirido”. Contudo, entende-se que não pode haver segurança jurídica ou direito adquirido sobre algo que não lhe pertence pacificamente. Para tratar de direito adquirido, seria necessário que o fato aquisitivo tivesse se realizado por inteiro, não podendo haver direito adquirido sobre fatos geradores futuros, como no caso da extração de petróleo. Ainda, a segurança jurídica é elemento importante do ordenamento jurídico brasileiro, mas não pode ser usado como argumento que venha a obstar mudanças legislativas realizadas democraticamente pelos representantes do povo, sob pena de completa imobilização da prática legislativa, apesar de constar no art. 20 § 1º o seguinte:
É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
Não se pode dizer que este tema seja uma cláusula pétrea constitucional, ou que a alíquota não possa ser objeto de mudanças dispostas de acordo com a vontade política democrática.
No caso, não se entende como adequada a adoção de postura mais ativa do Judiciário no sentido de revogar legislação que, mesmo sendo objeto de disputas políticas e econômicas acentuadas, não fere qualquer dispositivo constitucional. Recomenda-se, nestas circunstâncias, uma postura diferente, de autocontenção por parte do Supremo Tribunal Federal, mesmo porque não atinge matéria sensível à democracia, não obsta a participação política de qualquer minoria ou parcela da população em sua autodeterminação, além de não atingir parte sub-representada ou minoritária política. Em verdade, trata-se do oposto: aqueles que foram atingidos pela nova legislação estão acostumados a usufruir de sua preponderância econômica e estratégico-política para continuar em posição avantajada em relação aos outros Estados da Federação.
Aquilo que pode ser observado, ainda, é a atuação por parte dos Estados como atores econômicos e não necessariamente públicos, preocupados estritamente com a destinação de recursos para si ou para seus municípios, independentemente da estrutura política que subjaz ao pacto Federativo nacional ou das consequências que a nova forma de distribuição dos royalties pode promover no cenário nacional, inclusive, temas muito sensíveis como o destino das verbas dos royalties.
Com razão, portanto, a MP 592/12 que procurou destinar as arrecadações dos royalties para a Educação, além da partilha específica do Pré-sal. O cenário de debate é importante devido àquilo que acontece atualmente, que implica na inserção destas verbas em receita corrente líquida, o que possibilita ampla liberdade para a destinação destas preciosas arrecadações e o atual uso não vinculado e nem sempre responsável por parte dos Estados produtores.
De qualquer maneira, fatores de ordem pragmática foram mais importantes no julgamento da liminar do que a consideração dos direitos envolvidos. Deve-se reconhecer que os direitos estão em diálogo necessário e constante com o plano fático, contudo, o pragmatismo não pode ser o único critério para a avaliação da adequação dos direitos, bem como não pode ser motivo que obste determinações democráticas estabelecidas pelo parlamento, não consubstanciando, por isso, o fundamento maior para a realização do controle de constitucionalidade por parte do STF.
Ademais, conforme disposto pelo art. 20, V, da CF/88, o petróleo pertence à União, que garante para si este bem tendo em vista a proteção estratégica de recursos limitados, o que subjaz é uma compensação para os produtores que recebem percentuais proporcionais à produção, além de parcela destinada a possíveis danos ambientais, acidentes ecológicos que possam vir a ocorrer; no caso, trata-se do fator do risco da exploração do petróleo e uma compensação em decorrência dele.
Sugere-se que deva haver uma presunção de legalidade por parte do STF ao tratar a presente matéria. No caso de dúvida por parte do magistrado quanto à constitucionalidade da matéria legislativa a opção a ser realizada deveria ser em prol da manutenção da lei, ante o seu fundamento de legitimidade mais direto ou do in dubio pro legislatore. Assim, para que a presunção de constitucionalidade seja afastada, devem ser apresentados argumentos suficientemente robustos que possam justificar a convicção do magistrado no sentido de que há uma contradição expressiva entre o dispositivo legal questionado e os valores constantes na Carta constitucional.
Outro ponto que mereceria reflexão mais aprofundada seria uma leitura substantiva do Art. 3º, III da Constituição, no sentido da redução das desigualdades regionais, e a adoção de critérios de justiça para a redistribuição das verbas que acabam por ser concentradas na União. Perceba-se que, no caso, o embate se coloca sob diferentes prismas. De um lado, o Estado do Rio de Janeiro demanda, oportunisticamente, um fortalecimento do Federalismo, mesmo tendo sido historicamente muito beneficiado pela União; a União, por sua vez, procura conferir alguma destinação para as verbas dos royalties, ante o temor justificado do uso desvinculado e irresponsável por parte dos Estados destas verbas; e, por fim, os Estados e Municípios não-produtores, que demandando sua parcela na distribuição dos royalties formaram maioria no Congresso e reformularam a distribuição dos mesmos.
4.3. O Federalismo Fiscal e critérios para a distribuição de riquezas
Ao se tratar do federalismo fiscal, nota-se que ele é definido por três características:
(i) O governo central adota o papel de líder político, buscando exercer estabilização macroeconômica, ao introduzir medidas básicas para a redistribuição de renda, além de promover a gestão dos bens públicos nacionais;
(ii) trata das entidades subnacionais: a elas cabe a prestação eficaz dos serviços públicos locais;
(iii) o terceiro ponto trata da arrecadação, em que as espécies tributárias devem ser analisadas a partir da competência.
No plano local, entende-se que os impostos deveriam ser prevalentemente territoriais. Quanto à União, esta deveria cuidar da tributação progressiva, tutelando a redistribuição de renda. Aos entes federados, devem existir mecanismos de subsídios. Logo, com a repartição da renda, tornar-se-ia possível corrigir problemas de desigualdades sociais. Trata-se do chamado “Federalismo Cooperativo”.
Outra perspectiva a respeito do assunto toma como base a Teoria da “Public Choice” (escolha pública). Neste modelo está compreendido o “Federalismo Competitivo”, ou seja, baseado no conceito de concorrência. Segundo Bruno Meneses Lorenzetto e Pedro Henrique Gallotti Kenicke[7], tem como fundamento a tese de que a concorrência entre os diferentes Estados pode ser produtiva por duas razões:
(i) com o escopo de limitar o poder tributário do governo central, fortalecendo os Estados federados e, como consequência, possibilitando que as leis de mercado comandem a economia;
(ii) as políticas públicas devem ser aprimoradas, garantindo a liberdade para os Estados atrair investidores, desenvolvendo sua economia e infraestrutura. Ainda, no caso do “Federalismo Competitivo”, o papel do político limita-se a de um administrador, que tem como objetivo atender não mais ao interesse público, mas aos interesses do mercado. Trata-se da ruptura da divisão entre o público e o privado, sendo que os fatores econômicos passam a figurar e determinar abertamente o contexto político.
A centralização – inicialmente adotada pelo “New Deal” – foi colocada de lado quando se percebeu a necessidade de colaboração dos Estados da Federação para a execução das políticas públicas. Trata-se da cooperação ou do “Federalismo Cooperativo”. O federalismo a partir deste momento tornou-se um “instrumento da promoção do bem-estar coletivo”. No Brasil, o “Federalismo Cooperativo” foi adotado pela CF/88 em seu art. 23 (competências comuns). Por isso, procurou dispor as matérias de competência comuns para todos os entes: União, estados-membros e municípios. Este modelo justifica-se pelo fato de que Brasil incorporou os valores relativos a um Estado robusto, interventor, que procura promover o bem estar social.
Logo, faz sentido identificar a proposta de um “Federalismo Cooperativo”, com a de um Estado de bem-estar social, pois se procura desenvolver uma homogeneização, através da qual os entes da Federação, em conjunto, buscam de forma progressiva a redução das desigualdades regionais e sociais, com fundamento, especialmente, no princípio da solidariedade. Entende-se, portanto, que um debate sobre os temas acima suscitados se faz necessário em escala mais ampla no Brasil, envolvendo um maior número de atores sociais, que apresentem argumentos que guardem coerência com as práticas histórico-institucionais das entidades envolvidas, de modo a reestruturar o modelo de distribuição de distribuição das riquezas produzidas contemporaneamente em solo pátrio, diminuir as desigualdades regionais, proteger de maneira integral aos recursos naturais, equacionando o desenvolvimento e a sustentabilidade, além de procurar redefinir as linhas que definem o Federalismo no país, como no caso atinente à Reforma Tributária.
Propõe-se, por isso, remodelar a instrumentos do planejamento que equilibrem as forças políticas e econômicas da União e dos entes subnacionais, além da promoção da preservação da autonomia orçamentária, reformulando a política fiscal exercida nos últimos anos, em que os Estados e Municípios passaram à condição política subserviente em relação à União, em razão dos mecanismos de controle da dívida pública, da gestão do seu orçamento, demandando, por isso, uma descentralização da União e a promoção genuína do federalismo. A oportunidade em relação à divisão dos royalties do petróleo apresenta-se como ponto de viragem para desenvolvimentos necessários a serem realizados em todo o País, e não apenas em regiões que tiveram a sorte, com base na “loteria natural” de possuírem mais recursos naturais, conforme a divisão das linhas de projeção territoriais, do que outras. A reconsideração de tais temas poderia promover, em um cenário otimista, uma emancipação genuína dos Estados federados e dos Municípios, com sua entrada em uma “maioridade” política e econômica.
5 Julgados recentes sobre a distribuição dos royalties do petróleo
A Lei 7.990, de 28/12/1989, em seu artigo 9º, estabelece a obrigatoriedade dos Estados transferirem 25% (vinte e cinco por cento) das parcelas de compensação financeira que lhes é atribuída pelos arts. 2º, § 1º, 6º, § 3º e 7º desta Lei, mediante observância dos mesmos critérios de distribuição de recursos estabelecidos CE/Coordenadoria de Auditoria e Desenvolvimento Royalties do Petróleo 23 em decorrência do disposto no art. 158, inciso IV e respectivo parágrafo único da Constituição. Nesse sentido, a eficácia deste artigo 9º, da Lei nº 7.990, foi objeto da Ação Ordinária 100.05.003219-0, requerida pelo Município de Vila Velha – ES. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo, por meio do Tribunal Pleno - Órgão Julgador - decidiu por maioria de votos pela não eficácia deste artigo, conforme o Acórdão No. 100.05.003.219-0, proferido pelo TRIBUNAL PLENO, em julgamento na data de 09.03.2006.
Por sua vez o Governador do Estado do Rio de ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN 4917[8], a ser julgada pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal – STF, onde se decidirá sobre a constitucionalidade ou não de dispositivos da Lei 12.734/2012. Essa Lei originou-se do Projeto de Lei de iniciativa do Senado – PLS nº 448/2011[9], de autoria do Senador Wellington Dias, relatado pelo Senador Vital do Rêgo, cujo substitutivo, além de aprovado no Senado, foi aprovado, sem emendas, na Câmara dos Deputados. Seu principal objetivo é promover uma descentralização na distribuição das receitas de royalties e participação especial para os entes federativos, principalmente no caso da produção ocorrer na plataforma continental. O dispositivo da Lei 12.734/2012 que trata do regime de concessão foi vetado pela Presidente da República, mas esse veto foi rejeitado pelo Congresso Nacional, fazendo com que fosse promulgado o inteiro teor dessa Lei. No entanto, os dispositivos dessa Lei que introduziam novos critérios para essa distribuição foram suspensos, em caráter cautelar, por decisão monocrática da Ministra Cármen Lúcia[10].
Antes da aprovação da referida Lei 12.734/2012, as Casas do Legislativo Federal já haviam aprovado novas regras para a distribuição dos royalties e participação especial por duas vezes. A primeira foi a votação, na Câmara dos Deputados, de Emenda de autoria dos Deputados Federais Humberto Souto e Ibsen Pinheiro, conhecida como Emenda Ibsen, quando da aprovação do Projeto de Lei nº 5.938/2009[11]. A segunda vez foi no Senado Federal, quando, na votação do Projeto de Lei da Câmara – PLC nº 7/2010[12], foi aprovada emenda de autoria do Senador Pedro Simon, que mantinha, em linhas gerais, o conteúdo da Emenda Ibsen, mas estabelecia que a União deveria compensar Estados e Municípios por eventuais perdas decorrentes das mudanças das regras. Contudo, o dispositivo relativo à Emenda Simon, aprovado também na Câmara dos Deputados, foi vetado pelo Presidente da República. Esse veto não foi apreciado pelo Congresso Nacional.
6. As receitas de royalties
No ano de 2012, a produção nacional de petróleo, associada à produção de condensado e de gás natural, gerou uma receita de R$ 31,5 bilhões, sendo R$ 15,6 bilhões de royalties e R$ 15,9 bilhões de participação especial. Desse total, foram distribuídos R$ 12,7 bilhões para o Estado do Rio de Janeiro e seus Municípios. As receitas de royalties e participação especial do Município de Campos dos Goytacazes foram da ordem de R$ 1,4 bilhão. Os Municípios brasileiros, em conjunto, receberam, por meio do Fundo Especial, cerca de R$ 1,3 bilhão, valor inferior ao destinado a um único município fluminense. Em 2020, a produção nacional deve atingir 5 milhões de barris de petróleo por dia, colocando o Brasil como um dos maiores produtores mundiais, possivelmente na 6ª colocação. Nesse ano, a receita gerada de royalties e participação especial poderá ser maior que R$ 60 bilhões. Nos próximos dez anos, a receita deverá ser da ordem de R$ 400 bilhões. Os critérios para distribuição dessas receitas decorrem dos termos da lei, conforme art. 20, § 1º[13], da Constituição Federal de 1988.
O mar territorial é uma largura de água em que o Brasil exerce soberania, incluindo o espaço aéreo sobrejacente, o leito e o subsolo. A largura do mar territorial é de até 12 milhas marítimas a partir das linhas de base de contagem definidas pela Convenção. Em linguagem simplista, é uma extensão do território nacional no mar. A zona econômica exclusiva é uma faixa que se estende a partir das 12 milhas marítimas do mar territorial e vai até 200 milhas marítimas, estando sujeita a regime jurídico específico estabelecido pela Convenção de Montego Bay. Nessa área, o Brasil tem soberania para exploração econômica dos recursos naturais das águas, leito e subsolo, e com jurisdição para colocação de ilhas, instalações e estruturas (como por exemplo, uma plataforma de exploração de petróleo), para fazer investigações científicas marinhas, e para proteger e preservar o meio ambiente marinho desse espaço. Mas ela não pode ser considerada “território” do Brasil. A plataforma continental compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas do Brasil, além do seu mar territorial, até a distância de 200 milhas marítimas ou em toda a extensão do prolongamento natural do território nacional até a borda exterior da margem continental.
O Brasil exerce soberania na plataforma continental para exploração dos recursos naturais, e exerce jurisdição na regulamentação dos usos e operações com ilhas artificiais, instalações e estruturas, das investigações científicas marinhas, na proteção e preservação do meio ambiente marinho. Segundo Paulo César Ribeiro Lima[14]
Dessa forma, não é correto considerar que há território estadual ou municipal na plataforma continental. Apenas faz sentido falar em território nacional até a borda do mar territorial. Como a produção de petróleo e gás natural na Bacia de Campos e na Bacia de Santos ocorre em áreas localizadas depois dessa borda, nem o Estado do Rio de Janeiro nem seus Municípios são produtores de petróleo.
Esses entes federativos recebem elevadas receitas de royalties e participação especial porque é feita uma associação indevida da confrontação com perdas e danos decorrentes da atividade petrolífera na plataforma continental.
Os limites dos Estados confrontantes serão projetados segundo a linha geodésica ortogonal à costa, enquadrando estas projeções às dos limites municipais. Os limites interestaduais na plataforma continental, que são estabelecidos pelo critério das ortogonais. Já os limites dos Municípios confrontantes serão projetados segundo o paralelo, além da linha geodésica ortogonal à costa, mantendo-se as respectivas projeções no enquadramento das projeções dos Estados. A figura abaixo mostra os limites intermunicipais na plataforma continental, pelo critério dos paralelos:
Ao interpretar o Decreto 93.189/1986, o IBGE entendeu que, além do direito estabelecido pelo prolongamento dos paralelos que passam por seus limites, os municípios litorâneos também têm direitos sobre a plataforma continental, definidos pela projeção da perpendicular à linha de costa.
É importante observar, ainda, que as linhas de projeção dos limites intermunicipais são interrompidas no ponto em que elas interceptam os limites interestaduais. A figura abaixo mostra, a título de exemplo, o litoral do Estado do Rio de Janeiro delimitado pela projeção dos limites intermunicipais (ortogonais e paralelos), e a posição dos blocos e campos de petróleo e gás natural em parte das Bacias de Campos e de Santos:
Observa-se, então, que um poço produtor pode ser confrontante com um Município, pelo método das ortogonais, e com outro Município, pelo método dos paralelos. O atual critério para distribuição da compensação financeira a Estados e Municípios pela exploração de petróleo e gás natural na plataforma continental depende, basicamente, do traçado do litoral de cada Estado. Onde o traçado for côncavo, as linhas ortogonais às linhas de base retas tendem a se fechar; onde o traçado for convexo, as linhas ortogonais tendem a se abrir. Como mostrado na figura acima, as ortogonais à linha de base do Município de Campos dos Goytacazes abrangem um grande número de poços da Bacia de Campos. Essa é a principal razão pela qual esse Município recebeu cerca de R$ 1,35 bilhão de royalties e participação especial em 2012 e não o real impacto causado pela produção petrolífera na plataforma continental. As ortogonais dos Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do N