30/06/2017. Enviado por Dr. Ivan Cardoso em Empresarial
Trata-se de artigo de relevância para os empresários donos de franquias no Brasil, pois irá abordar a incidência do Imposto Sobre Serviços - ISS sobre essa atividade.
A temática apresentada nesse artigo tem muita relevância para o mercado de Franquias no Brasil, tendo em vista que é um dos mercados que mais cresceu nos últimos anos em nosso país.
A análise do tema passa pelo (i) conceito de prestação de serviço pressuposto pelo legislador constituinte, (ii) sobre o conceito e características do contrato de franquia, (iii) seguido da análise jurídica tributária do Imposto Sobre Serviços – ISS ou ISSQN.
Primeiramente, é importante mencionar que o ISS é um imposto municipal, previsto no art. 156, III, da Constituição Federal. Diz o texto:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
Necessário apontar que o referido imposto incide sobre “serviços de qualquer natureza”, todavia, não é qualquer serviço que pode ser tributado pelo ISS.
Nota-se que o legislador constituinte retirou do campo de incidência do ISS os serviços previstos no art. 155, II, da Carta Maior, ou seja, os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação que são alcançados pela incidência do ICMS.
Além disso, não estão previstos no campo de incidência do ISS os seguintes serviços: (i) a prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, dos diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de sociedades e fundações, bem como dos sócios-gerentes e dos gerentes-delegados; (ii) prestação de serviço a si próprio; (iii) a prestação de serviço decorrente de vínculo empregatício; (iv) a prestação de serviço por prestadores de trabalho avulsos e por sócios ou administradores de sociedade; (v) a prestação de serviço para o exterior (isenção heterônoma para o ISS, prevista no art. 156, § 3º, II, da CF e art.2º, I da LC .n 116/03); (vi) a prestação de serviço pelo próprio poder publico (imunidade – art. 150, VI, “a”, CF) e (vii) a prestação de serviço público e especifico e divisível, com utilização efetiva ou potencial, por se tratar de campo de incidência das taxas de serviço (art. 145, II, CF);
Aires Barreto lecionando sobre o conceito de serviço ensina que:
{...} não é todo e qualquer ‘fazer’ que se subsume ao conceito, ainda que genérico, desse preceito constitucional. Serviço é conceito menos amplo, mais estrito que o conceito de trabalho constitucionalmente pressuposto. É como se víssemos o conceito de trabalho como gênero e o de serviço como espécie desse gênero. De toda a sorte, uma afirmação que parece evidente, a partir da consideração dos textos constitucionais que fazem referência ampla aos conceitos, é a de que a noção de trabalho corresponde, genericamente, a um ‘fazer’. Pode-se mesmo dizer que trabalho é todo esforço humano, ampla e genericamente considerado. [...] É lícito afirmar, pois, que serviço é uma espécie de trabalho. É o esforço humano que se volta para outra pessoa; é fazer desenvolvido para outrem. O serviço é, assim, um tipo de trabalho que alguém desempenha para terceiros. Não é esforço desenvolvido em favor do próprio prestador, mas de terceiros. Conceitualmente, parece que são rigorosamente procedentes essas observações. O conceito de serviço supõe uma relação com outra pessoa, a quem se serve. Efetivamente, se é possível dizer-se que se fez um trabalho ‘para si mesmo’, não o é afirmar-se que se prestou serviço ‘a si próprio’. Em outras palavras, pode haver trabalho, sem que haja relação jurídica, mas só haverá serviço no bojo de uma relação jurídica.[1]
Nessa toada, percebe-se que não é qualquer serviço faz desencadear o nascimento da obrigação tributária, pois para caracterizar a mencionada prestação de serviço para fins de incidência do ISS são necessários alguns requisitos, conforme abaixo mencionado.
A prestação de serviço envolve bilateralidade onde um é prestador e outro tomador de serviços, além disso, tem ser onerosa, característica que define a capacidade contributiva do contribuinte.
Outro ponto importante a se destacar é que o ISS é regido pela Lei Complementar n. 116/2003 que tem uma lista de serviços anexa. Essa lei é nacional e serve de parâmetro para todos os legisladores municipais que devem se observar aos pressupostos da lei nacional e a sua lista anexa para editarem a legislação instituidora do ISS em seus respectivos municípios.
Dessa forma, o legislador municipal está vinculado a Lei Complementar n. 116/2003, qualquer alteração nessa lei refletirá na incidência do imposto em cada município do Brasil, ou seja, os municípios não podem ir além do que está previsto na norma complementar e a lista anexa, como o STF já decidiu, é exaustiva, não podendo o município acrescentar serviços não previstos na lei complementar n. 116/2003.
O ISS é um imposto municipal. É dizer, ao Município competirá instituí-lo (CF,art. 156, III). Todavia, está ele jungido à norma de caráter geral, vale dizer, à lei complementar que definirá os serviços tributáveis, lei complementar do Congresso Nacional (CF, art. 156, III). Isso não quer dizer que a lei complementar possa definir como tributáveis pelo ISS serviços que, ontologicamente, não são serviços. No conjunto de serviços tributáveis pelo ISS, a lei complementar definirá aqueles sobre os quais poderá incidir o mencionado imposto. (...) a lei complementar, definindo os serviços sobre os quais incidirá o ISS, realiza a sua finalidade principal, que é afastar os conflitos de competência, em matéria tributária, entre as pessoas políticas (CF, art. 146, I). E isso ocorre em obséquio ao pacto federativo, princípio fundamental do Estado e da República (CF, art. 1º) (...) não adoto a doutrina que defende que a lista de serviços é exemplificativa. [RE 361.829, voto do rel. min. Carlos Velloso, j. 13‑12‑2005, 2ª T, DJ de 24‑2‑2006.][2]
Contudo, cada serviço ali previsto na lista anexa deve ser caracterizado por uma obrigação de fazer, conforme os ensinamentos de Josiane Minardi que diz:
A pessoa que contrata um serviço não objetiva um bem, todavia visa um resultado do esforço e da capacidade, física ou intelectual, do prestador de serviço, ainda que o resultado se expresse por meio de um bem material. A prestação de serviço, portanto, consiste em obrigação de fazer e não de dar.[3]
Resumidamente, esse é o contexto sobre a prestação de serviço para fins de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, deve haver bilateralidade, onerosidade e um facere como atividade fim.
O Sistema de Franquias no Brasil é disciplinado pela Lei Federal n. 8.955/94. A lei que rege as relações entre franqueador e franqueado trouxe no art. 2º o conceito de franquia, diz o texto legal:
Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.[4]
Sobre o conceito explica Luiz Felizardo Barroso:
Franchising, como todos sabemos, é o sistema de distribuição mais bem conhecido até hoje, em que os direitos de uso de marca e da tecnologia de negocio de uma empresa (franqueadora) são cedidos, contratualmente, a terceiros (franqueados), mediante determinadas condições: pagamento de uma taxa para ingresso no sistema do franqueador (taxa de franquia ou franchising) e de royalties, determinando percentual sobre suas vendas que o franqueado paga, periodicamente, ao franqueador.[5]
Nota-se por tal conceito formulado que a franquia poderá englobar a cessão de um ou mais direitos. É por isso que Barreto leciona que:
Na franquia o franqueador cederá ao franqueado, para uso comercial, em zona previamente delimitada, propriedade incorpórea constituída de marcas, insígnias, titulo de estabelecimento, métodos de trabalho, patentes, know-how, fórmulas, através de um sistema de organização empresarial, num comércio especifico.[6]
Portanto, o conceito de franquia é amplo, não podendo ser traduzido numa simples prestação de serviço, envolve fornecimento de materiais, prestação de serviços, propriedade intelectual, dentre outros aspectos.
Pode-se dizer que a obrigação de fazer inserida nos contratos de franquias que caracteriza a incidência do imposto sobre serviços, previsto no art. 156, III, da CF/88, não é suficiente para a subsunção do fato à norma tributária, haja vista que o conceito envolve outras atividades, inviabilizando o enquadramento legal.
Isso porque no referido contrato, além da obrigação de fazer, também estão inseridas as obrigações de dar e não fazer, a qual o franqueado esta vinculado, sob pena de perder a franquia.
Além disso, a lei de franquias traz em seu artigo terceiro a chamada Circular de Oferta de Franquia, documento jurídico que se originou do mercado de capitais, conforme nos ensina Luiz Felizardo Barroso:
“No mercado de capitais brasileiro, temos o prospecto, como instrumento do disclosure; já no mercado de franquias, é a Circular de Oferta de Franquia que serve de meio de divulgação sincera, ampla e total dos dados empresariais.”[7]
Barroso[8] afirma ainda que o termo disclosure vem do francês e significa abrir, expor à vista, sair do invólucro, tornar público, tornar conhecido, revelar-se. No direito empresarial o disclosure é um “princípio da revelação total e sincera dos dados empresariais no mercado de capital e no de franquias empresariais.”[9]
Para melhor atender ao princípio acima mencionado, a Associação Brasileira de Franchising (ABF) criou um Código de Autorregulamentação do Franchising, que estabelece regras gerais para evitar distorções de natureza jurídica e comercial, estabelecendo preceitos gerais de ética, moral e boa-fé que devem servir de orientação na relação contratual.
Deste modo, o franqueador precisa mostrar para o candidato a franqueado os pontos negativos e positivos de se investir no mercado de franquias, devendo, por imposição legal, apresentar a Circular de Oferta de Franquias.
Esse documento é imprescindível para que o franqueador faça parte da Associação Brasileira de Franchising – ABF e se torne uma franquia empresarial, onde será reconhecido por ter um negócio sério e profissional, onde poderá, inclusive, receber um selo de qualidade da ABF.
Sobre o contrato de franquia Milena Zampieri Sellman, diz o seguinte:
A franquia é um contrato que nitidamente se classifica como sendo de adesão, uma vez que é constituído sobre cláusulas pré-elaboradas por um dos contratantes (franqueador), que as envia ao outro (franqueado), que, por sua vez, não possui, na maior parte das vezes, o poder de negociação, de revisão de cláusulas, taxas e preços.
O contrato se trata de uma oferta enviada ao possível franqueado, que, caso atenda aos requisitos, deve se submeter integralmente ao que fora estipulado na Circular de Oferta de Franquia, caso contrário não haverá a formação do negócio jurídico.[10]
Sellmann[11] ressalta que, muito embora os contratos sejam de adesão, não cabe à aplicação do Código de Defesa do Consumidor na relação entre os contratantes, pois o franqueado não é consumidor final.
Da mesma opinião comunga Barroso:
O contrato de franchising é um contrato por adesão, com cláusulas gerais, uniformes, abstratas e imutáveis, às quais o franqueado adere ou não, ao assiná-lo. Deve o contrato de franquia ser, também, comutativo, sendo oneroso e sinalagmático, uma vez que ele se aperfeiçoa só e exclusivamente pelo assentimento de ambas as partes, pela convergência das vontades do franqueador e franqueado. [12]
Barroso explica ainda que o contrato é “comutativo por preservar a equivalência de valores nas prestações recíprocas, sendo, também, atípico, e multifacial ou misto.”[13]
Portanto, elencar a franquia no item 17.08 da lista anexa a Lei Complementar n. 116/03 torna a norma inconstitucional para fins de incidência do ISSQN, ainda mais que a franquia não pode ser vista como prestação de serviço.
Por certo que a Lei Complementar n. 116/2003 tem em seu bojo muitas incompatibilidades com a Constituição Federal, haja vista o objeto de estudo desse trabalho. Desde a regra matriz desenhada pelo legislador complementar até os serviços inseridos na lista anexa possuem incoerências com a Lei Maior.
Entretanto, isso não retira da lei sua vigência, validade, nem sua eficácia, dentro do ordenamento jurídico, até que o STF seja provocado pelos legitimados do art. 103 da CF, para analisar a questão e dar o veredito final sobre a constitucionalidade da lei a comparando com a Carta Magna.
Essas incompatibilidades começam com a regra matriz do tributo que, em linhas gerais, tem como elementos; o descritor, também chamado pela doutrina de antecedente que é composto pelo critério material, espacial e territorial, e o prescritor, também chamado de consequente composto pelo critério pessoal e quantitativo, conforme lições de Paulo de Barros Carvalho.[14]
Esses critérios devem estar bem delineados na norma instituidora do tributo para que ele possa ser cobrado. Leandro Paulsen disseca a norma tributária impositiva da seguinte forma:
Antecedente ou hipótese:
a) aspecto material (o que – fato gerador)
b) aspecto espacial (onde – território em que a ocorrência do fato implica o surgimento da obrigação tributária)
c) aspecto temporal (quando – momento em que se deve considerar ocorrido o fato gerador)
Consequente ou prescrição:
d) aspecto pessoal (quem – sujeitos ativos e passivos da relação jurídica tributária)
e) aspecto quantitativo (quanto – critérios estabelecidos para cálculo do montante devido).[15]
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho[16] o legislador ao instituir o tributo “deve descrever fatos”, por isso descritor ou antecedente, e “prescrever comportamento”, por isso prescritor ou consequente, podendo esse comportamento ser classificado como: obrigatório, proibido ou permitido.
Sobre a regra matriz de incidência tributária Josiane Minardi ainda ensina:
A regra matriz de incidência tributária possibilita ao cientista do Direito o conhecimento do tributo, na medida em que proporciona a verificação das características comuns e essenciais para imposição da norma jurídica de incidência.
Assim, por intermédio da analise dos critérios que compõem a regra matriz de incidência tributária, é possível identificar o fato fenomênico juridicamente relevante quando da sua ocorrência e, ainda, a relação jurídica a ser instaurada pelo consequente normativo.[17]
Entender a regra matriz do ISS faz toda diferença na análise da incidência sobre a atividade das franquias no Brasil, tendo em vista que sua materialidade que vai definir a tributação.
Nesse sentido, o tema da constitucionalidade da incidência do ISSQN sobre a atividade de franquia esta sendo tratado no Supremo Tribunal Federal – STF na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 603.136 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, conforme abaixo:
Recurso extraordinário. Tributário. ISS. Franquia. Fato gerador. Lei Complementar 116/2003. Repercussão geral reconhecida.
O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Não se manifestaram os Ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Ministro GILMAR MENDES Relator[18]
Importante mencionar que o STF já se posicionou sobre o tema em decisão monocrática proferida pelo Ministro Marco Aurélio, conforme abaixo:
ISS – FRANQUIA – ADMISSÃO DA INCIDÊNCIA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – TRANCAMENTO – AGRAVO – ACOLHIDA DO PEDIDO DE SEQUÊNCIA E JULGAMENTO NOS PRÓPRIOS AUTOS.
{...}
2. Na interposição deste agravo, atendeu-se aos pressupostos de recorribilidade. A peça, subscrita por profissional da advocacia regularmente credenciado (folha 59), restou protocolada no prazo legal. O tema discutido está a exigir o crivo do Supremo. Cumpre a este a guarda maior da Constituição Federal e o tributo cobrado pelo Município tem previsão nesta última. A própria nomenclatura direciona a haver, sempre e sempre, a prestação de serviços.
Ora, de início, não se observa, na franquia, esse fenômeno levando em conta, até mesmo, a definição legal. Consoante o artigo 2º da Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994, o que ocorre é a cessão de direito de uso de marca ou patente associado ao direito de distribuição exclusiva ou semiexclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia, de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. Em um primeiro exame, surge que, na franquia, não há a prestação de serviços.
3. Conheço deste agravo e o provejo, entendendo enquadrado o extraordinário no permissivo que lhe é próprio. Procedam à conversão prevista no Código de Processo Civil, distribuindo-se na forma regimental para, a seguir, ser colhido o parecer do Procurador-Geral da República no que a controvérsia fica, de início, afetada ao Pleno. {...}[19]
Interessante pensar que a jurisprudência dos tribunais pode influenciar a decisão a ser proferida pelo STF, tendo em vista que no Superior Tribunal de Justiça há entendimento no sentido da não incidência do tributo municipal sobre a atividade de franquia, conforme se nota nos informativos n. 0363 e 0199, respectivamente da primeira e segunda turma, abaixo transcrito:
ISS. INCIDÊNCIA. FRANQUIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
Trata-se da incidência ou não de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre a atividade de franquia. Explica o Min. Relator, entre outros argumentos, que a mera inserção de franquia no rol de serviços constantes de lista anexa à LC n. 116/2003 não possui o condão de transmudar a natureza jurídica complexa do instituto, composto por um plexo indissociável de obrigações de dar, fazer e não-fazer. Destarte, a operação de franquia não constitui prestação de serviço (obrigação de fazer), por isso escapa da esfera da tributação do ISS pelos municípios. Destacou ainda que, na lista de serviços anexa ao DL n. 406/1968 (com a redação dada pela LC n. 56/1987), o contrato de franquia não estava listado como serviço, mas atividade de agenciamento, corretagem ou intermediação. Entretanto, esse conceito foi modificado pela LC n. 116/2003, que revogou os arts. 8º, 10, 11 e 12 do DL n. 406/1968, bem como a LC n. 56/1987. A franquia como prestação de serviço e a proposição recursal demonstram que há inequívoca inconstitucionalidade na lista anexa à LC n. 116/2003, a conspirar para a incompetência deste Superior Tribunal, sendo o STF o competente para julgar o recurso. Note-se que essa mesma competência foi exercida pelo STF na análise dos conceitos de faturamento, administradores e autônomos, para aferir hipóteses de incidência tributária, o que torna imprescindível a manifestação daquela Corte. Dessa forma, a Turma não conheceu o recurso especial. Precedentes citados: REsp 912.036-RS, DJ 8/10/2007; AgRg no Ag 757.416-SC, DJ 3/8/2006; AgRg no Ag 748.334-SP, DJ 30/6/2006, e AgRg no REsp 658.392-DF, DJ 2/3/2005. REsp 885.530-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12/8/2008.[20]
ISS. FRANQUIA.
Não incide ISS sobre os serviços prestados em razão do contrato de franquia, pois não há que se falar em preeminência, tão-somente, da cessão de marca ou da prestação de serviço. O contrato complexo e autônomo de franquia não se qualifica como contrato de locação de bens móveis. Precedentes citados: REsp 189.225-RJ, DJ 3/6/2002; AgRg no Ag 436.886-MG, DJ 28/10/2002, e REsp 221.577-MG, DJ 3/4/2000. REsp 403.799-MG, Rel. Min. Franciulli Netto, julgado em 19/2/2004.[21]
Além disso, vários tribunais estaduais já decidiram pela inconstitucionalidade do item 17.08 da lista anexa a Lei Complementar n. 116/2003.
Portanto, há consenso entre as decisões proferidas pelos tribunais e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o que mostra a veracidade das afirmações doutrinárias já apontadas nessa nesse trabalho de que não incide imposto sobre serviço de qualquer natureza nos contratos de franquia, pois entender de outra forma seria ir contra a doutrina dominante e a jurisprudência do país.
Consequentemente, analisando o antecedente da norma tributária do ISSQN, já se vê que não se amolda a atividade de franquia, isso porque o conceito de franquia definido na Lei n. 8.955/94 não se enquadra no conceito de serviço pressuposto na Constituição Federal.
Nota-se que o conceito de serviço na Constituição Federal pressupõe uma atividade laboral remunerada, com relação contratual sem vínculo empregatício e que seja preponderante nessa relação jurídica uma obrigação de fazer.
Diferentemente do conceito de franquia estabelecido no art. 2º da lei 8.955/94 onde a atividade é definida como um sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado certos direitos, ou seja, é cessão de direito que gera obrigações para ambas às partes.
Percebe-se que o conceito de franquia é bem amplo não se confundindo com a simples prestação de serviço que faz nascer à obrigação tributária no âmbito do imposto sobre serviço de qualquer natureza.
Nesse caso, o critério material, componente do antecedente da norma tributária geral e abstrata, não é preenchido por falta de enquadramento legal. O legislador complementar não poderia ter inserido na lista anexa atividade não condizente com o arquétipo traçado pelo legislador constituinte, haja vista que a lei complementar não pode alterar a Constituição, conforme o art. 110 do CTN que diz:
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”[22]
Assim, não é possível permitir que a lei complementar modifique a Constituição Federal, pois seria o mesmo que compactuar com a afronta ao pacto federativo. Deste modo, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores tem repelido a incidência do imposto sobre os contratos de franquia, conforme nos ensina Sabbag:
É fácil perceber, nesse tipo de ajuste, o forte objetivo participativo entre as partes. Daí se falar que não há, em principio, prestação de serviço entre franqueado e franqueador, mas um envolvimento mútuo e bilateral, de colaboração reciproca, marcado pela existência de direitos e deveres para ambas as partes.[23]
Portanto, os contratos de franquia por não compreenderem dentro de suas cláusulas somente a obrigação de fazer e, consequentemente, prever uma série de obrigações mistas, não pode sofrer a incidência do imposto sobre serviço de qualquer natureza.
Conclusão
O subitem 17.08 da Lei Complementar n. 116/2003 é complexo, haja vista tudo que foi exposto nesse trabalho. Foi demonstrado que a prestação de serviços não ocorre dentro da relação interna do contrato de franchjsing, pois Franqueador e Franqueado prestam serviços mútuos, com intenso monitoramento das atividades e o contrato contém obrigações mistas que não podem ser separadas para que incida o imposto municipal.
Quanto a isso, a doutrina e jurisprudência estão caminhando juntas, inclusive com apoio de uma decisão monocrática do Supremo Tribunal Federal, conforme já analisado, confirmando o que já vem sendo adotado pelos tribunais, ou seja, a declaração de inconstitucionalidade da incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza sobre os contratos de franquia, devido ao não enquadramento do fato a norma legal.
[1] BARRETO, Aires Ferdinando. ISS na Constituição e na Lei, 2ª ed. rev . ampl. e atual - São Paulo: Dialética, 2005, p. 29.
[2] Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo, 5ª ed. atual até EC 90/2015. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2016, p. 1301.
[3] MINARDI, Josiane. Manual de Direito Tributário, 2ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm. 2015, p. 895.
[4] BRASIL, Lei nº 8.955, de 15 de Dezembro de 1994. Dispõe Sobre o Contrato de Franquia Empresarial (franchising) e dá outras providências.
[5] BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e Direito – São Paulo; Atlas, 1997, p. 19.
[6] BARRETO, Aires Ferdinando. ISS na Constituição e na Lei - São Paulo, 2ª ed. Dialética 2005, p. 209.
[7] BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e Direito – São Paulo; Atlas, 1997, p. 47.
[8] Ibidem, p. 51.
[9] Ibidem, p. 50.
[10] SELLAMNN, Milena Zampieri. O ISS no Contrato de Franquia – Curitiba; CRV. 2016, p. 114.
[11] Ibidem, p. 115.
[12] BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e Direito – São Paulo; Atlas, 1997, p. 60
[13] Ibidem, p. 61.
[14] CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário- 17ª Ed. – São Paulo: Saraiva. 2005.
[15] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo – 4ª Ed. rev. atual e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 220.
[16] CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário- 17ª Ed. – São Paulo: Saraiva. 2005, p. 350.
[17] MINARDI, Josiane. Manual de Direito Tributário, 2ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm. 2015, p. 299.
[18] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 603.136/RJ, Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+603136%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EPRCR%2E+ADJ2+603136%2EPRCR%2E%29&base=baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/ad8rzkb> Acesso em 17 de Janeiro de 2017.
[19] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento n. 651255 do Relator Ministro Marco Aurélio. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28AI%24%2ESCLA%2E+E+651255%2ENUME%2E%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/bpjzx2s> Acesso em 17 de Janeiro de 2017.
[20] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo 0363. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=iss+franquia&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO> Acesso em 17 de Janeiro de 2017.
[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo 0199. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=iss+franquia&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO> Acesso em 17 de Janeiro de 2017.
[22] BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1.966.
[23] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário, 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 1041.