19/02/2013. Enviado por Dr. Guilherme Pessoa Franco de Camargo
O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS inviabiliza ou torna propositalmente difícil e burocrática a concessão do leque de benefícios previstos aos segurados ou seus dependentes.
Historicamente os membros da autarquia federal aprenderam a manejar as normas regulamentadoras, tal como portarias internas, ordens de serviço e instruções normativas, de forma a subverterem o sistema legal brasileiro, invertendo diametralmente o conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas da pirâmide de Hans Kelsen, fazendo emergir mais importância às normas inferiores que as superiores, para a concessão de benefícios como aposentadorias pensões e auxílios.
Dois são os pilares que motivam tais procedimentos pelos seus operadores, o político e a facilidade para as modificações que desejarem. O primeiro leva em consideração que alterações ou reformas na previdência social, notadamente no Regime Geral da Previdência Social - RGPS são extremamente impopulares e geram comoção nacional, tal como ocorreu em 1994 com os reajustes e agora em 2012 com a retomada da reforma da previdência pelo Congresso Nacional. O país possui um pequeno rol de benefícios previstos no INSS, apenas 10 (dez), cujos valores de pagamento advindos dos salários de contribuição e salário de benefício são reduzidos em sua maioria a patamares meramente assistenciais e de sobrevida do indivíduo. E, as reformas representam invariavelmente que direitos previdenciários duramente conquistados serão ceifados dos trabalhadores, por isso o sentimento de revolta da população. Os políticos, por sua natureza, precisam do apreço dos eleitores e o receio de serem estigmatizados por medidas impopulares são pontos que dificultam qualquer alteração no regime previdenciário e a tramitação regular dos projetos.
Tanto que o próprio ex ministro da Previdência, Luiz Marinho, só foi admitir que o INSS indefere benefícios indevidamente e sobrecarrega o Poder Judiciário, no final do mandato:
“O ministro da Previdência, Luiz Marinho, avaliou que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sobrecarrega a Justiça ao indeferir (rejeitar) em excesso processos de concessão de benefícios. Ele disse que determinou providências para reverter esse quadro e avaliou que há uma mudança em curso nesse sentido. ‘Determinei que nós precisamos passar um pente-fino em todas as nossas instruções normativas e portarias, porque o INSS indefere demais e de forma indevida, afirmou.”[1]
A declaração feita em 2008 pelo ex-ministro Marinho expôs um outro lado desta “indústria do indeferimento de benefícios”, a utilização do Poder Judiciário para o não pagamento dos benefícios, contando com a morosidade e complacência daquela. Alguns Juizados Especiais Federais – JEF´s inclusive aparentam ser meras extensões ou “quintais” do INSS.
Essa “indústria do indeferimento” foi desmascarada por completo em 2011, quando o INSS tornou-se o maior litigante nacional segundo pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ[2]
Cumpre lembrar que esta prática é comum nestes postos de atendimento do INSS,conforme estudo do IPEA, sendo que 27,6% das reclamações dos usuários, estão a -burocracia/demora- para receber os benefícios/ e o quesito -muitas exigências - representam 16%[3]
Quanto à facilidade a normatização da forma que os representantes do INSS bem entenderem, é outro problema, visto que os atos administrativos internos ou infra-legais não demandam grande vulto para suas aprovações e os tecnicismos empregados dificultam a compreensão da população.
E, a primeira vista, como não alteram publicamente as redações das normas superiores da Lei n.º 8.213/91, 8.212/91 ou da Constituição de 1988, não geram por conseqüência, impopularidade aos políticos da situação.
Todas as normas infra-legais aos textos mencionados não deveriam reduzir, ampliar ou modificar direitos neles previstos, mas não é o que ocorre na seara previdenciária, sendo rotineiras às maculas as ordens hierarquicamente superiores, quase sempre para reduzirem direitos. Isto quando não são instituídas para inviabilizarem ou tornarem quase impossível a concessão dos benefícios, mediante a apresentação de exigências diversas e complexas, limitação do rol de provas a elementos pré-determinados, requerimentos de documentos complementares aos originais ou de obtenção remota.
Notem que a inviabilização decorre não da alteração da Lei do Plano de Benefícios da Previdência Social, mas de elementos intrínsecos a operacionalização daqueles benefícios frente ao requerimento administrativo.
Dados não oficiais revelam que o número de indeferimentos administrativos de 30% a 80%, dependendo da agencia do INSS. Em Juiz de Fora, 14% dos processos administrativos do INSS estão sem solução, sendo que 26% daquele percentual ainda aguardam decisão superior ao prazo limite de 45 dias.
Em abril de 2012, aassistente técnica educacional Lúcia Maria de Fátima Oliveira, 57 anos, relatou que compareceu inúmeras vezes à agência e não conseguiu atendimento:
"Quero fazer a revisão do meu benefício de acidente de trabalho, mas, para isso, preciso de um tipo de senha. Eles distribuem apenas dez por dia, e os dias de atendimento são terça, quarta e quinta. É preciso ampliar este tipo de serviço." (http://www.tribunademinas.com.br/economia/14-dos-processos-do-inss-est-o-parados-1.1074208, acessado em 20/02/2013)
Um dos instrumentos mais bizarros para a inviabilização dos benefícios previdenciários foi sem dúvida a exigência pelas Instruções Normativas n.º 99/2003, artigo171, INn.º 118/2005, artigo180, INnº 20/2007, do HISTOGRAMA, representação gráfica dos dados emitidos pelo aparelho utilizado para medição do ruído ou agentes insalubres que fundamentaram os dados do Perfil Profissiográfico Previdenciário. Ocorre que se a maioria das empresas sequer dispõe de medições regulares, quiçá poderiam fornecer dados específicos, especialmente de medições realizadas há 20 ou 30 anos atrás. O documento exigido complementarmente a apresentação do PPP para o reconhecimento do período de atividade urbana ou rural como especial, inviabilizava a conversão daqueles pedidos de especialidade. Tal ordem absurda não foi repetida nas Instruções Normativas seguintes.
São exigidos atualmente dos segurados cerca de3 a7 documentos entre PPP e declarações, apenas para o reconhecimento de 1 período de trabalho como especial. Dentre eles, os mencionados no art. 254, §1º da IN 45/10: o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA, Programa de Gerenciamento de Riscos – PGR, Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção – PCMAT, Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho - LTCAT, declaração de autenticidade pelo representante legal da empresa sobre o PPP, declaração de vínculo empregatício ou de prestação de serviço do emissor do PPP.
Nem os períodos de atividade urbana ou rural comum escapam a inviabilização, tanto que a despeito do exposto nos artigos 80 (urbana) a 115 (rural), a Autarquia costumeiramente acaba por desconsiderar o exposto na CTPS, passando a requerer, a cada período de averbação,3 a4 documentos para efetivar os períodos que bem entender, tais como CPTS, Ficha de Registro, Declaração da Empresa.
A burocracia e lentidão são tão grandes que muitas pessoas quase desistem da busca por seus direitos em sua integralidade. Às vezes transparece até como se fosse intencional tais atos pelos servidores. A informatização não reduziu as filas, apenas escondeu a via sacra virtualmente, tanto que continua praticamente impossível realizar agendamentos todo final de ano. A burocracia informatizada continua, tornando vicioso o avolumento de documentos. Mantendo-se longe do cidadão pela burocracia e lentidão, o INSS acaba por fomentar a intervenção de intermediários ou terceiros que viabilizem e assessorem os segurados, obrigando aqueles a desembolsarem valores com o assessoramento.
O auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez são benefícios que o INSS tenta inviabilizar pela via administrativa, através de avaliações severas nas perícias, denúncias de cotas de concessão e inversão de responsabilidades através de exigência de laudos, exames, atestados e receitas prévias a realização da perícia.
A perícia médica é um dos problemas mais impactantes no INSS, geralmente relacionada à deficiência na quantidade de analistas previdenciários ou na qualidade deles, vez que muitas vezes as perícias são realizadas por médicos não especialistas na doença ou lesãoem análise. Tantoé caótica essa situação que o próprio Conselho de Recursos da Previdência Social tem determinando de pronto, a reanálise da maioria das perícias, quando interposto recurso administrativo pelo segurado.
E, sem contar que a situação precária dos locais das perícias do INSS praticamente obriga os segurados a produzirem todas as provas da doença ou lesão incapacitante previamente, sendo inclusive censurados por alguns peritos quando não os trazem para avaliação.
Com efeito, a insegurança emanada pelas perícias administrativas, ainda amparadas pelas inconstitucionais “altas programadas”, impõem a composição do rol de pedidos de uma maneira a contemplar as imprevisíveis atuações da autarquia. Sobre a inconstitucionalidade da “alta programada” que impõe prazos pré-determinados para a melhora do segurado, a qualquer custo, é de longe, um instituto inconstitucional, que fere os princípios emanados da Constituição, dentre eles o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Profetizar uma data de melhora obrigatória, invertendo o ônus da prova ao beneficiário, contraria todos os estudos médicos conhecidos na atualidade. Aliás, interessante que tal atrocidade advenha de uma Orientação Interna Conjunta 1 DIRBEN/PFE secreta, inacessível, impublicável aos beneficiários da previdência social.
O caminho da humilhação no INSS obriga muitos trabalhadores a retornarem ao trabalho ainda doentes ou em recuperação do acidente.
As vítimas do COPES (Cobertura Previdenciária Estimada), programa deflagrado pelo Ministério da Previdência iniciado em agosto de 2005, com o intuito de reduzir os números de concessões dos auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez, cujo pretexto para a criação do instituto inviabilizador era suprimir fraudes na concessão dos benefícios e diminuir gastos com as perícias. O programa acima ficou conhecido como “Data Certa” e dizimou milhares de benefícios previdenciários, muitos deles mantidos há anos e subitamente cessados.
O INSS já avisou que não se digna a pagar a “revisão dos auxílios”, benefícios por incapacidade, (aposentadorias por invalidez, pensões decorrentes e auxílios doença e acidente) aos segurados no período entre1999 a2002. Apesar de reconhecer que o erro abrange o lapso entre1999 a2009, atingindo cerca de 491 mil pessoas, a autarquia seguirá a ordem decadencial prevista em Lei, limitando o pagamento do erro apenas a2002 a2009.
No caso do auxílio-acidente, o INSS concede a Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT, valor maior que de uma mera comunicação, conforme se depreende dos artigos355 a360 e artigo 160, §7º:
“§ 7º Quando o benefício decorrer de acidente de trabalho, será necessário o preenchimento e encaminhamento da Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT, conforme o disposto no art. 336 do RPS.”(negritado)
No auxílio reclusão, a surpresa impeditiva recai sobre a limitação do benefício ao último salário do preso, desconsiderando-se as demais contribuições, num teto formulado pela própria Autarquia previdenciária, bem como na obrigatoriedade da obtenção de todo o ciclo de transferência do recluso durante o período do requerimento. O salário-família e maternidade seguem limitadores do mesmo gênero para suas concessões.
A Pensão por Morte é exemplar para mostrar a inviabilização proposital pelo INSS dos benefícios previdenciários, porquanto consideram taxativo o rol de documentos constantes no Decreto n.º 3.048/99, artigo 22,§3º e artigo46, IN45/10, bem como impõem a vinda de ao menos 3 (três) deles, a saber: I - certidão de nascimento de filho havido em comum; II - certidão de casamento religioso; III - declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente; IV - disposições testamentárias; V - declaração especial feita perante tabelião; VI - prova de mesmo domicílio; VII - prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil; VIII - procuração ou fiança reciprocamente outorgada; IX - conta bancária conjunta; X - registro em associação de qualquer natureza, onde conste o interessado como dependente do segurado; XI - anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados; XII - apólice de seguro da qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária; XIII - ficha de tratamento em instituição de assistência médica, da qual conste o segurado como responsável; XIV - escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome de dependente; XV - declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos.
Pior, denota que se insurge a própria base legal estipulada no ordenamento jurídico brasileiro ao limitar ou taxar como definido o rol de documentos para o reconhecimento do direito ao benefício pelo dependente, atingindo o patrimônio jurídico adquirido e os meios de produção de provas pelo Poder Judiciário.
O Benefício de Prestação Continuada – BCP, conhecido como LOAS, sofre com a criação interna do INSS sobre a definição de “renda”. A Autarquia leva em consideração apenas a receita do núcleo familiar ao invés de descontar as despesas com serviços essenciais e habituais, bem como inclui na apuração do valor total da “renda”, praticamente qualquer pessoa que residir no mesmo local que o segurado.
A burocracia interna ainda atrapalha os empreendedores individuais e, quase a metade não consegue terminar o processo de formalização da inscrição corretamente. A FENACON aponta que apenas 57% das pessoas conseguem finalizar o procedimento para obter o CNPJ. Sem contar que o nível de detalhamento e a complexidade legal dos processos atravanca a realização de negócios.
O questionável “déficit da previdência” não serve como justificativa para o traspasse de direitos assegurados desde a Constituição e nem para que as pessoas fechem os olhos para os desvios de verbas do fundo previdenciário para o pagamento de fins totalmente destituídos do RGPS.
Todos esses apontamentos estão na contramão da obrigatoriedade da destinação do melhor benefício e orientação nesse sentido. Trazido à baila neste entendimento da JR/CRPS. Confira:
JR/CRPS - Enunciado nº 5
Referência: Art. 1º do RBPS (Dec. 61/92).
Remissão: Prejulgado nº1.
"A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido”
A primeira alteração para a autarquia previdenciária ocorreu apenas com a inclusão do 4º§, art. 458, da IN 20/07:
“Art. 458. Caso o segurado requeira novo benefício, poderá ser utilizada a documentação de processo anterior que tenha sido indeferido, cancelado ou cessado, ressalvados os benefícios processados em meio virtual, desde que complemente, se for o caso, a documentação necessária para o despacho conclusivo.”
“§ 4º A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido.”
Nesse trilhar, é também o entendimento do insigne Professor Wladimir Novaes Martinez, profundo conhecedor do Direito Previdenciário, para o qual a Previdência Social deve assegurar o melhor benefício aos seus segurados. Confira trechos de artigo publicado na Revista de Previdência Social, editada pela Ltr, em março de 2006 sob o título “Direito Adquirido a melhor prestação”:
“Por ser muito antigo, mas não anacrônico, uma vez que ainda e sempre inserido no contexto científico do Direito Previdenciário, jovens estudiosos talvez ignorem o Prejulgado n. 1 da Portaria MTPS n. 3.286/73; “ Constituindo-se uma das finalidades primordiais da previdência social assegurar os meios indispensáveis de manutenção do segurado, nos casos legalmente previstos, deve resultar, sempre que ele venha a implementar as condições para adquirir o direito a um ou a outro benefício, na aplicação do dispositivo mais benéfico, e na obrigatoriedade de o Instituto segurador orienta-lo, nesse sentido” (DOU de 8.10.73).
Aos que se sentirem prejudicados pelos atos praticados dentro da Autarquia Federal, a responsabilidade civil pela negativa ao benefício, especialmente por sua inviabilização administrativa, deve ser entendida como o dever de indenizar pessoa física ou jurídica pelos danos, materiais ou morais, causados a esta em decorrência de conduta danosa, gerando o direito ao ressarcimento perante a Justiça Federal.
Independentemente da motivação que leva os representantes do INSS a instituírem manobras inviabilizadoras a concessão dos benefícios previdenciários, o Poder Judiciário não deveria ser complacente aos ditames impostos ou subversões criadas contra o ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de macular todo o sistema legal, gerando insegurança jurídica até interferência de poderes, sustentáculos dos regimes democráticos, mas principalmente porque afetam injustamente milhões de segurados e dependentes do RGPS.
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Fontes:
1 - Tribunal Nacional de Uniformização – TNU
2 - Ministério da Previdência e Assistência Social. Secretaria de Previdência Social, Previdência e Estabilidade Social -Curso Formadores em Previdência Social, Série Estudos, 2ª Edição, Volume 7, 2001, pág. 30, 1ª tabela.
3 - Entrevista do ex Ministro da Previdência Social Luiz Marinho para a Agência Brasil10 no dia 12 de março de 2008
4 - INSS lidera número de litígios na Justiça - http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/13874-inss-lidera-numero-de-litigios-na-justica
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[1] Entrevista do ex Ministro da Previdência Social Luiz Marinho para a Agência Brasil10 no dia 12 de março de 2008
[2] INSS lidera número de litígios na Justiça - http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/13874-inss-lidera-numero-de-litigios-na-justica
[3] Ministério da Previdência e Assistência Social. Secretaria de Previdência Social, Previdência e Estabilidade Social -Curso Formadores em Previdência Social, Série Estudos, 2ª Edição, Volume 7, 2001, pág. 30, 1ª tabela.