12/05/2020. Enviado por Dr. Wagner da Silva Serra
OS REFLEXOS DA COVID-19 NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL URBANO: QUESTÕES MATERIAIS E PROCESSUAIS
INTRODUÇÃO
Em razão da crise pandêmica da COVID-19 na vida dos brasileiros e por consequência a queda abrupta na economia, o Poder Judiciário tem sido acionado para lidar com questões envolvendo o pagamento de alugueis que, diante de tal situação, tem sido revista em alguns julgados que serão a seguir demonstrados.
DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO
Locação é o contrato por meio do qual alguém (locador) proporciona o uso e gozo temporário de um bem a outrem (locatário), que se compromete em realizar o pagamento de uma remuneração ou preço.
O contrato de locação é bilateral ou sinalagmático porque envolve prestações recíprocas, vale dizer, ao locador/senhorio ceder o uso e gozo de um bem, enquanto ao locatário/inquilino, o pagamento de prestação em dinheiro denominada aluguel.
É oneroso, uma vez que a obrigação de uma das partes tem como equivalente a prestação que a outra lhe faz. A onerosidade é da essência do contrato de locação, pois se o uso e gozo fossem concedidos gratuitamente, o contrato transformar-se-ia em comodato.
É consensual, pois se aperfeiçoa com o acordo de vontade firmado entre as partes.
É, também, comutativo, visto que não envolve riscos; já que as prestações recíprocas foram previamente acordadas.
É, ainda, de forma livre; podendo ser celebrado por escrito ou verbalmente. No entanto, se for acordado entre as partes uma garantia como a fiança, por exemplo, o contrato deve ser obrigatoriamente escrito.
É de trato sucessivo ou de execução continuada porque se prolonga no tempo.
E, por fim, paritário; já que as partes envolvidas estão em condições de igualdade para discutir e fixar as cláusulas contratuais.
ELEMENTOS DO CONTRATO DE LOCAÇÃO
O objeto – o bem imóvel.
O preço – aluguel ou remuneração, pois em caso contrário haverá comodato.
E, por fim, o consentimento que pode ser expresso ou tácito; é capaz de locar quem tem poderes de administração, como, por exemplo, o proprietário, o possuidor de boa-fé e o credor anticrético, nos termos do art. 1507, §2, do Código Civil.
DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO
No Brasil, a teoria em análise fora difundida entre nós pelo ilustre Arnoldo Medeiros da Fonseca em sua clássica obra ´´Caso fortuito e teoria da imprevisão``.
O Código civil de 1916 não regulamentou expressamente a revisão contratual. O fez apenas referência no art.401 que permitia a ação revisional de alimentos no caso de mudança do status financeiro do devedor.
Atualmente, a base legal para se pleitear a revisão dos contratos de locação de imóvel urbano está contida nos arts. 317 e 479 do CC/2002, no Enunciado 17 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e no art.19 da Lei n0 8245/91.
O primeiro dispositivo diz que ´´quando por motivos imprevisíveis sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo a pedido da parte, de forma que assegure quanto possível o valor real da prestação.``
O segundo, por sua vez, reza que ´´a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.``
Já o terceiro, menciona que ´´a interpretação da expressão ´´motivos imprevisíveis`` constante do art. 317 do novo Código Civil deve abarcar tanto causa de desproporção não-previsíveis como também causas previsíveis, mais de resultados imprevisíveis.``
Por fim, reza o dispositivo da Lei do Inquilinato, ora indicado que, ´´não havendo acordo, locador e locatário, após três anos de vigência do contrato, ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.``
Caso haja inobservância desses requisitos legais, o juiz extinguirá o processo sem resolução do mérito na forma dos art. 485, inciso VI do CPC, por ausência de interesse processual.
Cabe aqui observar que a praxe recomenda, primeiramente, que o devedor faça ao credor uma proposta de revisão das cláusulas contratuais, através de uma notificação extrajudicial de aviso de revisão das cláusulas contratuais.
Nesse instrumento, o devedor exporá, de forma escrita, os motivos pelos quais ocasionaram o desequilíbrio financeiro e que comprometem o cumprimento da obrigação, e que ensejam, assim, a revisão das cláusulas contratuais; além disso, fixará um prazo para o credor se manifestar. Não havendo resposta ou esta for negativa, parte-se para a via judicial através da ação pertinente.
Com a chegada da COVID-19 no Brasil, e devido ao alto índice de mortalidade da população, o colapso no sistema de saúde em alguns entes federativos, e por sua vez, a imposição de medidas sanitárias restritivas à livre circulação de pessoas (lockdown) em alguns estados da federação, várias atividades empresariais foram suspensas por ordem do Poder Público.
Por outro, estando fechados os estabelecimentos, cai o faturamento; e por oportuno, a chance de adimplir as obrigações.
Diante de tal cenário catastrófico, varias demandas chegaram ao Poder Judiciário pedindo a redução do aluguel e demais encargos pertinentes.
É o que pode ser visto, por exemplo, nos julgados a seguir: TJSP- Tutela Antecipada de Caráter Antecedente nos 1004132-64-2020-8.26.0008; 10266445-41-2020.8.26.0100; TJDFT- Agravo de Instrumento n0 0707596-27.2020.8.07.0000; TJRJ – Agravo de Instrumento n0 0022449-49.2020.8.19.0000.
ASPECTOS PROCEDIMENTAIS
Cumpre observar, inicialmente, que a ação revisional tramita durante as férias forenses e não se suspendem pela superveniência delas (art. 58, inciso I da Lei do Inquilinato).
Por outro lado, o pedido de revisão de aluguel poderá ser feito através de um pedido de tutela antecipada em caráter antecedente nos termos dos arts. 303 e 304 do CPC, bem como através de uma ação revisional de aluguel (arts. 68/70 da Lei 8245/91) cumulada com pedido de tutela de urgência fulcrada no art 300 CPC.
Sendo assim, é de grande observância algumas questões relevantes que serão expostas a seguir.
Quanto ao primeiro aspecto, a petição inicial limitar-se-á à exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (art. 303, caput do CPC).
Concedida a tutela antecipada, o autor deverá aditar a petição inicial no prazo de 15 (quinze) dias ou em outro prazo que o juiz fixar. Caso não seja observado o prazo determinado, o juiz extinguirá o processo sem resolução do mérito (arts. 303, §§ 10, inciso I e 20 e 485, X do CPC).
O aditamento será feito nos próprios autos, sem incidência de novas custas processuais ( art. 303, §30 do CPC).
Realizado o mencionado acréscimo, o réu será citado e intimado para comparecer à audiência de conciliação e mediação, conforme previsão do art. 334 (art.303, §10, inciso II do CPC).
Caso na audiência acima referida não haja acordo, o réu terá o prazo de 15 (quinze) dias, contados na forma do art.335, para apresentar a sua contestação (art. 303, §10, inciso III do CPC).
Por derradeiro, caso o órgão jurisdicional entenda que não há elementos para a concessão da tutela antecipada, determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias; sob pena da petição ser indeferida e o processo ser extinto sem resolução do mérito (art.303, §60 do CPC).
A decisão jurisdicional que denegar a concessão de tutela e determinar a emenda da inicial desafia o recurso de agravo de instrumento. Conforme previsão do art. 1015 inciso I do CPC.
Quanto ao segundo aspecto, preenchidos os requisitos insertos nos arts. 300 e 319 do CPC, a petição inicial deverá indicar, também, o valor do aluguel cuja fixação é pretendida.
Concedida a medida liminar, o juiz fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos seguintes termos: se a demanda for proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá exceder a 80% (oitenta por cento) do pedido; se proposta pelo locatário, o aluguel não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente (art. 68, II da Lei 8245/91).
Sem prejuízo da contestação e até a audiência, o réu poderá pedir a revisão do aluguel provisório. O pedido de revisão interrompe o prazo para interposição de recurso contra a decisão que fixar o aluguel provisório (art. 68, incisos III e V da Lei do Inquilinato).
Cabe aqui observar que com o advento do Novo Código de Processo Civil a contestação será apresentada na forma do art. 335, ou seja, após a audiência de conciliação ou da mediação, ou ainda, após o pedido de cancelamento dessas a pedido do réu.
Caso haja discordância entre as partes quanto ao valor pretendido, o juiz determinará a perícia e desde logo a audiência de instrução e julgamento (art.68, inciso IV).
Não caberá ação revisional na pendência de prazo para desocupação do imóvel (residencial/não residencial), ou quando tenha sido este estipulado amigável ou judicialmente (art. 68, §10).
No transcorrer da ação de revisão, o aluguel provisório será reajustado na periodicidade avençada ou na fixada em lei (art.68, §20).
Uma vez fixado na sentença, o aluguel retroage à citação; e as diferenças devidas durante a ação revisional, descontados os alugueres provisórios adimplidos, serão pagas corrigidas e exigíveis a partir do trânsito em julgado da decisão que fixar o novo aluguel (art. 69, caput).
A execução das diferenças será feita nos autos da ação de revisão (art. 69, §20) e seguirá o rito dos arts. 520/522 do CPC.
Por fim, na ação revisional de aluguel, o órgão jurisdicional poderá homologar acordo de desocupação, que será executado mediante mandado de despejo (art. 70).
FORO COMPETENTE
É o do lugar da situação do imóvel, salvo se outro tiver sido eleito no contrato (art.58, inciso II L.I).
VALOR DA CAUSA
O valor corresponderá a doze meses do aluguel pretendido (art. 58, inciso III, L.I) e constará em um laudo de avaliação elaborado por um arquiteto ou engenheiro. Esse laudo deve ser juntado com a petição inicial.
EFEITO RECURSAL
Os recursos interpostos contra a sentença terão somente efeito devolutivo (art. 58, inciso V, L.I).
CONCLUSÃO
Diante dos fundamentos expostos, bem como do atual cenário pandêmico, a aplicação da teoria da imprevisão, nas demandas revisionais de aluguel, é a forma mais eficaz de se trazer o equilíbrio contratual, a preservação das empresas e dos empregos e ainda, estabilizar a economia.
O pedido revisional de aluguel, como já visto, pode ser requerido através de uma tutela antecipada em caráter antecedente, ou ainda, através da ação revisional de aluguel cumulada com o pedido de tutela antecipada que seguirá o procedimento comum inserto no art. 334 e seguintes do CPC.
Cumpre observar, também, que o pleito revisional só pode ser requerido após 3(três) anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado; em caso de inobservância desses requisitos legais, o juiz extinguirá o processo sem resolução do mérito.
O valor da causa corresponderá a doze meses do aluguel pretendido.
Por derradeiro, os recursos interpostos contra a sentença só serão recebidos no efeito devolutivo.
REFERÊNCIAS
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Contratos e Atos Unilaterais. v.3. São Paulo. Saraiva, 2003.
https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justiça-federal/
https://www.planalto.gov.br>ccivil_03>_ato2015-2018/2015/lei13105htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L3071.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8245.htm