12/11/2014. Enviado por Dra. Iraci Arboleya Campachi
Chegamos a meio século de vigência da Lei que deu existência legal a nossa profissão de corretor de seguros. E, como não podia deixar de ser, as datas redondas são de especial agrado do ser humano e verdadeiro convite à reflexão.
De minha parte, preciso fazer referência ao querido amigo Affonso Fausto que me brindou com uma jóia. Refiro-me à obra Contrato de Mediação, de autoria de Antonio Carvalho Neto, em edição de 1956, bem antes de nossa Lei, portanto. De lá pinçarei uma porção de conceitos com a intenção de jogar luz sobre a corretagem de seguros, profissão ainda não bem compreendida pela sociedade (que tem dificuldade em distingui-la da atividade assecuratória) e, o que é mais grave, pelo Judiciário, que frequentemente dá a lume decisões, com todo o respeito, altamente discutíveis.
A figura do corretor era bem conhecida, já, dos romanos e, segundo alguns, a etimologia do termo remete a corredor. Sim, especialmente naquela época, os profissionais eram obrigados, literalmente, a correr de um lado para outro, a vencer distâncias para aproximar as partes e lograr o fechamento de seus negócios. Sua função ganhou especial vulto com o desenvolvimento do capitalismo a ponto de, em determinados segmentos — o nosso é claro exemplo — tornar-se indispensável. Intermediário que é, cabe a ele aproximar duas pessoas que não se conhecem (por exemplo o segurador e o segurado); por assim dizer, apresenta uma à outra, induz confiança recíproca e, uma vez bem sucedido, logra o fechamento de negócio, o que o habilita a perceber a comissão, sua justa remuneração.
No Brasil, os doutrinadores dedicaram-se muito pouco ao estudo da corretagem, daí o valor exponencial da obra referida, em que pesem sobre ela os quase sessenta anos da edição. Carvalho dá suas características: bilateral, acessório, aleatório, inominado (na época, não mais hoje, com o advento do Código Civil 2002), oneroso, consensual. Este espaço não é adequado para estudar cada um destes tópicos; um deles, contudo, é desafiador, vistos seus desdobramentos, em especial no que tangencia o direito do consumidor.
O contrato de corretagem, diz o grande autor, é acessório. Ora, isto implica dizer que, vinculado a ele há um outro contrato, a ser classificado como principal. Com efeito, ninguém procura um corretor (seja de que ramo for) para negociar com ele; o que o interessado quer é negociar através dele! No nosso caso, deseja o consumidor contratar uma apólice de seguro e facilmente percebe que seu objetivo será imensamente facilitado se contar com o concurso de profissional especializado. Isto acarretará importantíssimas consequências no âmbito da responsabilidade civil profissional, vale dizer nos direitos do consumidor.
De um modo geral, é de todos conhecido o conceito de cadeia de fornecimento, positivado pelo Código de Defesa do Consumidor. Em rápidas palavras, se pretender reclamar de algo referente a um televisor, o adquirente poderá, a sua opção, processar o fabricante ou a loja em que o comprou, ou a ambos, que solidariamente responderão pelo prejuízo causado.
Com respeito a ilustres doutrinadores que divergem do quanto afirmarei, ouso afirmar que, no tocante à relação entre segurador, corretor e segurado, não se poderá falar em cadeia de fornecimento nem em solidariedade, tal como no exemplo anterior. Duas situações hipotéticas bem o demonstrarão, parece-me.
1) A indenização foi negada pela seguradora sob alegação de infringência do perfil, por falta de pagamento do prêmio, por não enquadramento do fato na previsão contratual etc. Ou seja, a seguradora entende que está isenta do dever de indenizar por razões que a ela dizem respeito. Indaga-se, qual a culpa (ou a responsabilidade) do corretor? Nenhuma, a meu ver. Em tudo que a ele cabia, ter-se-á havido com adequada diligência e não se pode exigir que ele dê ordens à seguradora, porquanto se trata de entes autônomos, não ligados por qualquer tipo de relação hierárquica. Se ação o segurado tem, é voltada, exclusivamente, para a seguradora, nunca para o corretor.
2) A indenização foi negada porque a apólice tem um defeito atribuível ao corretor (por exemplo, a proposta foi protocolada com atraso e o sinistro ocorreu antes disto; houve erro na digitação dos dados bancários e o débito do prêmio não efetivou etc.). Novamente a indagação: parece que a seguradora está bem escorada para sustentar a negativa, ao passo que o corretor terá de enfrentar as consequências do erro cometido, aqui enfrentamos, então a Responsabilidade Civil do Corretor de Seguros.
Fica claro que não poderá haver solidariedade entre corretor e segurador. Ou um, ou outro, nunca os dois numa cambulhada só. Tento fazer uma imagem: vista a situação do ângulo do segurado, ele sempre estará na perna de um Y e, analisando cautelosamente o caso concreto, terá de optar por um ou por outro. Insistir em processar os dois é candidatar-se a ter de assumir os ônus da sucumbência em relação a um deles.
Não é demais ressaltar que o Poder Judiciário tem, por diversas vezes, responsabilizado o corretor de seguro a efetuar pagamento de indneizações a segurados, por isso vê-se uma quantidade enorme de ações propostas contra ambos.